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Quando a religião é o ódio do povo

Ensaísta Davi Lago afirma que a liberdade não é apenas a possibilidade de professar uma fé, mas também de mudar de opinião e crença quando quiser

Por Davi Lago
2 ago 2020, 07h28

São extremamente graves os relatos recentes sobre imposição de religião por grupos armados em comunidades do Rio de Janeiro. A socióloga angolana Fátima Viegas em seu estudo A intolerância religiosa enquanto processo de destruição do outro, afirma que a crença religiosa está ligada à liberdade, ou seja, à capacidade de agir segundo a própria convicção e consciência de dever, e não por coação. Assim, liberdade religiosa não é apenas a possibilidade de professar uma religião, mas também de mudar de opinião e religião quando quiser. Essa possibilidade de mudança autônoma não é apenas uma exigência teórica, mas integra nominalmente o núcleo dos direitos fundamentais. Conforme o artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, “toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; esse direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção…”. De igual modo, as democracias constitucionais laicas asseguram, sem exceção, a liberdade de consciência e de culto, inclusive de não ter nenhuma religião, ou mesmo de professar abertamente sua falta de crença.

Os casos de imposição religiosa, com destruição e violação de imagens de santos católicos e locais de culto dos umbandistas e candomblecistas devem ser denunciados e combatidos em duas frentes. Primeiro, com a força da lei. Como pontuaram os juristas Rogério Greco e William Douglas, “não resta qualquer dúvida que inexiste Estado de Direito quando temos territórios demarcados, onde a Polícia não consegue ingressar, onde os cidadãos não têm a quem recorrer”. Mas, em segundo, com a participação ativa da sociedade civil. A democracia é um arcabouço teórico inútil sem a efetiva ação dos cidadãos e cidadãs. Jean-Louis Schlegel afirma que, ao contrário dos regimes políticos construídos com base em promessas de felicidade futura e de “amanhãs radiosos”, cujo modelo foi fornecido no século XX pelo comunismo, a democracia não tem fim determinado (fim no duplo sentido de “finalidade” e de “ponto final”). A democracia, portanto, comporta uma fragilidade permanente. Segundo Schlegel, “não é então de espantar que, numa conjuntura dada, indivíduos e grupos aspirem, em vez disso, às vezes com violência, ao retorno de certezas, de pontos de referência, de identidades afirmadas com força”. A contraposição ao extremismo religioso, portanto, não é tarefa exclusiva do Estado, mas da comunidade brasileira.

Falar de intolerância religiosa remete-nos ao seu reverso: a tolerância. A viabilidade da sociedade plural depende de uma defesa conjunta dos preceitos da tolerância. Este processo conjuga múltiplas forças sociais, políticas e religiosas, e exige responsabilidade da parte de todos. No início de julho, o babalawô, historiador e professor Ivanir dos Santos denunciou o aumento de casos de violência religiosa e afirmou: “acredito que assim como o racismo a intolerância religiosa não é um ‘problema’ que precisa ser pensado apenas pelas vítimas  de crimes. A intolerância religiosa é uma questão social, política, econômica e religiosa e precisa ser debatida em todas as esferas desses poderes”. Diante de situações cada vez mais desafiadoras, a sociedade brasileira precisa construir nas relações cotidianas seu horizonte comum, com estreita observância à paz e respeito ao império da lei.

* Davi Lago é pesquisador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo

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