Os pleitos nas cidades, por óbvio, tratam de problemas locais e pontuais à população. Interessa ao eleitor nesse tipo de pleito as questões relativas ao bairro, ao asfalto da rua, se haverá vaga em creches e escolas, consultas nos postos de saúde. Em suma, aquilo que, de fato, interessa para vida de quem vive nas cidades.
Engana-se, contudo, quem acha que as primeiras preocupações serão estas. Serão importantes, claro, mas só depois de avaliar se o candidato está de um lado ou de outro do espectro político. Mais do que asfalto e creche, são os valores que devem preponderar nas eleições de 2024.
Ou seja, o futuro prefeito ou vereador estará do lado de quem? Ou melhor, estarão do lado do quê? Temas como o famigerado comunismo, a proteção aos valores da família, o aborto, as questões de gênero – estas sim estarão em primeiro lugar, seguido pelos problemas locais.
As eleições municipais, em especial a de São Paulo e outras capitais e cidades de médio e grande porte, serão a repetição da indesejável luta entre lulistas e bolsonaristas, ao estilo do que ocorreu em 2022. Parece insuportável, mas essa tende a ser a tônica dos próximos pleitos.
Seria bobagem dizer que todas as atenções estarão voltadas às grandes capitais, em especial São Paulo e Rio. As eleições municipais tendem a ter sua lógica própria. Mas ao colocar os valores no centro das eleições e servir como preparo do terreno para 2026, tudo passa a ser diferente, porque antecipa o ringue e posiciona os atores políticos em seus extremos. Vale um passeio por esta salada – indigesta, claro – que teremos pela frente e tentar entender como deve se movimentar o xadrez político.
Em São Paulo, o páreo está armado e fazendo com que os padrinhos (Lula e Bolsonaro) posicionem seus peões no jogo. Boulos tem todo apoio do PT, que trouxe de volta a ex-prefeita Marta Suplicy para o cargo de vice na chapa do psolista. Vices são sempre uma incógnita e os estudos mostram que são atores importantes, mas não decisivos. Marta, claro, é uma vice distinta, porque além de balancear a figura da chapa, já governou São Paulo e por mais que não tenha conseguido se reeleger nas duas tentativas que teve (2004 tentando se reeleger e 2016 pelo MDB tentando voltar ao posto) é a prefeita mais bem avaliada até hoje pelos paulistanos. Dados recentes da Quaest comprovam isso.
Do outro lado do páreo está Ricardo Nunes, que herdou a prefeitura de Bruno Covas logo no início do mandato e parece que sem Bolsonaro estará em maus lençóis. Nas palavras do presidente do PL, partido de Bolsonaro, Nunes estaria morto em São Paulo sem o apoio do ex-presidente. Há outros tentando o apoio de Bolsonaro, mas aparentemente sem sucesso.
Há ainda os que tentam ensaiar uma candidatura que saia dos extremos e debata os problemas. Parece interessante, mas obviamente sem futuro. Não que não seja importante e até fundamental, mas não parece ser este o pano de fundo do momento.
Neste lugar de vencer o extremo está a pré-candidatura de Tabata Amaral pelo PSB, que mesmo se colocando fora da dualidade e tentando falar dos problemas reais da capital paulista, sabe que essa tentativa de ser a Simone Tebet de 2024 na versão municipal não vai colar. O PSB e o próprio articulador do partido em São Paulo, o ministro e ex-governador do Estado, Márcio França, sabem que o tema valores estará no centro do jogo e trouxeram como pré-candidato a vice o sempre possível candidato Datena. O apresentador já ensaiou várias vezes uma candidatura, é amplamente conhecido pelo grande público de São Paulo e traz consigo a denúncia aos bandidos e corruptos, mesmo que no pastelão policialesco dos programas sensacionalistas da TV. Ou seja, Márcio França e o PSB sabem que o valor segurança pública é importante.
A candidatura, ao menos até aqui, parece que não deve decolar, mas empurra o governo a reconhecer a força do PSB na maior cidade do país, depois de ter sido preterido em ministérios. A especulação dos bastidores diz que Lula estaria agindo para frear a campanha de Tabata e talvez trazê-la para um ministério como o de Ciência e Tecnologia, por exemplo, dando mais força e presença do PSB na Esplanada. Sobrariam Nunes e Boulos, este sozinho no campo progressista, representando o lulismo na disputa contra o bolsonarismo. Uma disputa que interessa e muito a ambos os grupos.
Nesse jogo todo há ainda o tema das redes sociais. Aqui a salada fica de fato indigesta e é tema para uma próxima discussão, algo já discutido nesta coluna há duas semanas. Naturalmente que as grandes redes de televisão e jornal se voltam a estes pleitos, mas, no mundo do Whatsapp e do Youtube, o que importa são os cortes e as postagens impactantes, sem contar no grande problema que serão as deepfakes vindas do submundo das campanhas, muito piores e mais elaboradas do que na última eleição. O debate na televisão ainda tem seu valor, as entrevistas aos veículos locais igualmente, mas são as frases soltas e distorcidas que são levadas ao encontros dos valores do respectivo eleitor que farão com que haja aderência ou repulsa. O jogo será duro, mas é o cenário que se desenha.
* Rodrigo Silva é cientista político e historiador, doutorando e mestre em Ciência Política (UFPR)