Onde queres revólver, sou vacina
Bolsonaro escala na liberação de armas, tirando poderes do Congresso, do Exército e da PF, enquanto o país quer imunização em massa
Os novos decretos das armas do presidente Jair Bolsonaro provocaram várias reações no mundo político e na sociedade civil. O vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos, um aliado de Bolsonaro, reagiu no twitter dizendo que as mudanças tinham que passar pelo Congresso. Ao mesmo tempo, a especialista em segurança pública, Ilona Szabó, criticou o decreto e foi bloqueada pelo presidente nas redes sociais.
Mas os conflitos poderão ser ampliados. Os novos decretos tiram as atribuições da Polícia Federal e do Exército, duas categorias que, no ano eleitoral de 2018, se aproximaram de Bolsonaro. As regulamentações dispõem, por exemplo, que projéteis de munição para armas até o calibre máximo de 12,7 mm não serão mais produtos controlados pelo comando do Exército. Antes, era a força que fiscalizava, autorizava o uso, a comercialização e a fabricação.
Em relação à Polícia Federal, as regras anteriores obrigavam aqueles que queriam armas, como colecionadores, atiradores e caçadores, a comprovar a aptidão psicológica através de um laudo fornecido por psicólogo cadastrado na corporação. Os novos decretos estabelecem que basta um opinião assinada por profissional com registro no Conselho Regional de Psicologia.
Ou seja, nem o Exército vai fiscalizar o armamento, nem a PF vai controlar quem terá os revólveres e rifles. Como é possível que as Forças Armadas e Polícia Federal abram mão desse controle de forma tão passiva?
Os novos decretos surgiram na sexta deste carnaval cancelado, enquanto milhões deixaram de festejar e o país testemunhou o número de mortos pela Covid-19 se aproximar de 240 mil. Foi também em meio a falta de oxigênio nos hospitais, e à medida que avançam as investigações contra o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, diante da má gestão da pasta na pandemia.
Você, leitor, também pode dizer que o novo decreto de armas surgiu quando artistas e jornalistas se mobilizaram numa campanha em favor da vacina, a mesma que deveria ser liderada pelo governo. É a gestão do país mais uma vez perdendo o foco do mais importante: a vacinação em massa contra o coronavírus.
As alterações na regulamentação ampliam e muito a possibilidade de “caçadores” terem rifles, por exemplo. Cinco “caçadores” – no país onde a caça é proibida – podem comprar 150 armas. Se 30 “caçadores” se juntarem… são, então, 900 armas. Se forem 30 atiradores (que podem ter 60 cada um) serão 1800 armas. Os números são alarmantes. Com quantos caçadores e atiradores se faz uma milícia armada como a que vimos invadindo o Congresso dos EUA? É a pergunta capital que começa a ser feita no Brasil de Bolsonaro.