Fernando Haddad soltou o verbo no Congresso Nacional, em sessão para prestar contas aos deputados sobre sua gestão no Ministério da Fazenda. O ministro, que normalmente é contido, “perdeu a paciência” e foi para cima da turba bolsonarista. Obviamente não é perfil de Haddad sair dando respostas ríspidas, tampouco patadas aqui e acolá. Mas dessa vez ele calculou e, ao estilo Flávio Dino, saiu dando coice. Fez bem, muito bem. É preciso rebater o bolsonarismo no campo da desconstrução das ideias. E com ironia, muita ironia.
Flávio Dino, enquanto foi ministro da Justiça e Segurança pública, nadava de braçada na hora de defender as políticas do governo. Não saia xingando, brigando, muito menos acusando. O deputado bolsonarista, aquele clássico do bolsonarismo, que parece um animador de bingo do interior, gosta do barulho, do embate, ele quer irritar, tornar o adversário, que para ele é um inimigo, alguém sem um mínimo de sensatez. Feito isso, ele tem um prato cheio para os cortes nas redes, que viralizam aos montes e anima a torcida. Lembremos do deputado do PSOL, Glauber Braga, pondo a ponta pé um manifestante para fora da Câmara dos deputados. Bingo. É tudo o que eles querem. E tudo o que não se pode dar a eles.
Dino sabia disso muito bem. Chegava preparado para responder com profissionalismo, muitos dados e, claro, carregado de ironia. Quando perguntado de forma respeitosa e profissional, tinha informações da equipe da pasta sempre prontas para sanar as dúvidas dos parlamentares. Quando chamado à sandice bolsonarista, punha um sorrisão e trazia o interlocutor à realidade. Era divertido demais.
Sempre que o roteiro foi levado à risca, funcionou bem. Marina Silva há algum tempo também esteve em uma comissão e adotou a mesma estratégia: respostas objetivas e com dados para a pergunta séria; para a barbárie, ironia. Dito e feito. Funcionou perfeitamente. Saiu com um tanto de extremista no bolso.
Na comissão que investigou o 8 de janeiro, a senadora Eliziane Gama, relatora da CPI, fez o mesmo com o ex-ministro da segurança institucional do governo Bolsonaro, o general Augusto Heleno. Assim que a senadora percebeu que o ministro estava ali a passeio, desdenhando do trabalho da comissão de inquérito, foi com tudo e não perdoou o interrogado. De novo foi como uma luva. Em segundos, Heleno estava esbravejando sem nem a senadora levantar a voz. Calma e decidida, a senadora Eliziane dobrou o general atrapalhado.
Haddad foi além. Não só fez da ironia o carro chefe da conversa, mas juntou tudo com dados e informações muito úteis para esclarecer aquilo de que era acusado. Empunhando um gráfico com dados corretos (o que tende a ser um milagre), um deputado da ala bolsonarista, acusava o ministro de gastador e dizia poder provar porque os dados estavam ali, nas mãos dele, dizia o parlamentar. Como gráficos e números dizem uma parte da história, mas nem sempre dizem tudo, o ministro Haddad trouxe à baila o contexto dos dados, no caso o déficit fiscal do governo Lula.
Há de se lembrar, e Haddad o fez com maestria, que Bolsonaro havia feito festa com dinheiro público tentando de toda maneira se reeleger. A bomba do calote dos precatórios e o absurdo dos subsídios dos combustíveis, só para citar dois exemplos da herança do ex-presidente, caíram no colo do atual governo. Só nesta conta aí foram mais de 120 bilhões. O deputado, claro, ficou sem resposta. Teve de ouvir o ministro Haddad pedir para que fizessem o DNA e verificar a paternidade do déficit. Neste momento, a assessoria do ministro era show à parte porque já não aguentava segurar o riso diante das tiradas do chefe.
Obviamente o ministro da Fazenda sabe que seu caminho é difícil. Se com os deputados pode usar ironia e o fez muito bem, o cargo que ocupa não é nada fácil e com o governo terá de enfrentar uma batalha gigante, a fim de emplacar o projeto da sua equipe. Tem sido e será ainda mais pressionado para vetar a taxação dos importados. Tem pela frente o tema da desoneração da folha de setores contemplados, algo na casa de 25 bilhões. Terá de alocar o gasto com aumento real do mínimo, algo para mais de 50 bi na conta do governo. A lista é imensa e só deve crescer. Terá muito trabalho e, aparentemente, tem exercido a função muito bem. Para além da desenvoltura na pasta, Haddad esta semana foi além e contribuiu para o jogo da polarização, a fim de amainá-la, não em embates, mas em ideias. “Jantou” como se diz por aí…
* Rodrigo Vicente Silva é mestre e doutorando em Ciência Política (UFPR-PR). Cursou História (PUC-PR) e Jornalismo (Cásper Líbero). É editor-adjunto da Revista de Sociologia e Política. Está vinculado ao grupo de pesquisa Representação e Legitimidade Democrática (INCT-ReDem). Contribui semanalmente com a coluna