Até onde vai o desejo pelo poder? No último domingo, 9, durante uma declaração feita na Assembleia de Deus, em Goiânia (GO), a senadora eleita Damares Alves ultrapassou todos os limites na busca incessante que vem travando para que o presidente Jair Bolsonaro continue no Palácio do Planalto.
De cima do púlpito, em um templo religioso, falando com centenas de fiéis, a ex-titular do Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos descreveu atrocidades que teria descoberto como ministra e que teriam ocorrido na ilha do Marajó, no nordeste do Pará.
O que Damares disse é impossível de repetir e, em respeito a você, caro leitor, não reproduzirei aqui. Ela descreveu atrocidades envolvendo bebês e crianças que estariam sendo traficadas para o exterior. “Continuei abrindo as gavetas do Ministério e descobri, irmãos, o horror”, disse ela.
Toda a declaração feita pela ex-ministra é uma aberração e traz, pelo menos, um crime pelo qual Damares deve ser investigada. Se ela, de fato, soube de tais barbaridades e não denunciou às autoridades, cometeu o crime de prevaricação. Se está fazendo uma denúncia gravíssima como essa sem provas, cometeu o crime de denunciação caluniosa.
Independentemente de qual seja o crime, a ex-ministra baixou o nível da disputa a um patamar lamentável, mas atingiu o objetivo. Ela criou um produto político para ser usado como propaganda a favor de Bolsonaro. E pior: usou a fé para manipular o discurso. Diante de uma plateia assustada, disse que tem imagens e vídeos que comprovam os crimes.
Pois bem. Ela vai precisar apresentá-los.
Diante das aberrações, o Grupo Prerrogativas, que reúne advogados de todo o país, pediu que o Supremo Tribunal Federal (STF) e a Procuradoria-Geral da República tomem providências. Já o Ministério Público Federal do Pará pediu informações ao Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos sobre os supostos crimes.
Damares tentou montar uma propaganda política, mas vai ter que se responsabilizar pelo que disse. Ao menos é o que esta coluna espera das autoridades públicas. Embora tenha afirmado que tem liberdade para se manifestar na igreja, não é permitido, em nenhum lugar do mundo, que crimes sejam expostos sem denúncias a quem tem autoridade para investigá-los. Ainda mais que Damares só tornou público “o que soube” mais de três anos depois.
A ex-ministra usou termos religiosos como “potestades” e disse que a guerra contra o presidente é espiritual. Além disso, acusou o Supremo Tribunal Federal e a imprensa de serem coniventes com as práticas hediondas que ela denunciou. A senadora eleita evitou citar nomes e falou, de forma genérica, sobre o STF e a imprensa, mas é absurdo que ela sugira que há algum embate sendo travado porque Bolsonaro resolveu combater esses crimes.
“A guerra contra Bolsonaro que a imprensa levantou, que o Supremo levantou, que o Congresso levantou, acreditem, não é uma guerra política. É uma guerra espiritual”, afirmou Damares.
A ex-ministra queria viralizar nas redes sociais e conseguiu. No final de semana, o vídeo de Damares rodou por diversos grupos de mensagens. Ao tentar enaltecer o trabalho do governo, a senadora eleita pode ter dado um tiro no próprio pé.
Como ainda não é senadora, não tem imunidade parlamentar. E, diante das aberrações que disse, precisa urgentemente ser investigada.