No dia 20 de março, irá a julgamento na Quarta Turma do Tribunal de Justiça do Distrito Federal um pedido de compradores de lotes situados em condomínios ilegais de Brasília para obter o registro dos seus imóveis com base na Lei do Usucapião. Todas as propriedades em questão são fruto do crime de grilagem, que prosperou em Brasília nos anos 90 sob o olhar complacente de governos populistas que utilizaram a ocupação desordenada do solo como instrumento político.
Para quem não se lembra, grileiros vendiam terrenos localizados em propriedades de terceiros ou do poder público a preço de banana, o que provocou uma expansão desordenada da cidade e a concentração populacional em regiões sem qualquer tipo de infraestrutura. Hoje, moradores dessas localidades pagam um preço alto. Quando chove, como aconteceu nos primeiros dias de março, as ruas que levam aos condomínios irregulares ficam alagadas, porque não existe sistema de drenagem pluvial. Córregos e nascentes importantes para a cidade estão desaparecendo ou poluídos. Não há escolas, postos de saúde, segurança e há grandes áreas degradadas em zonas de proteção ambiental.
Não é de hoje que donos de lotes ilegais buscam na Justiça o direito ao registro dos imóveis. Além do julgamento do dia 20, existem outras 16 ações idênticas que correm no mesmo Tribunal. Mas, até o ano passado, a Justiça de Brasília atuava de forma diligente para impedir que o crime de grilagem encontrasse respaldo na lei para prosperar. O entendimento era de que a Lei do Usucapião não era o caminho correto para conduzir o processo de regularização fundiária em casos como esse, porque além de legalizar um crime, provocaria uma corrida pela regularização fundiária transversa ao entregar a propriedade de lotes sem o licenciamento urbanístico e ambiental que o ordenamento jurídico exige, uma ameaça ao desenvolvimento urbano responsável.
No entanto, uma decisão recente do Superior Tribunal de Justiça reacendeu nos grileiros e compradores de lotes ilegais a crença de que é possível se sobrepor à lei e encontrar um atalho para a regularização fundiária. Trata-se de um julgamento relativo ao Setor Tradicional de Planaltina, uma das cidades satélites mais antigas do Distrito Federal. O STJ entendeu que o Usucapião se aplicava aos imóveis localizados nesta região, pois ela já existia e estava demarcada antes mesmo de ser transferida para o Governo do Distrito Federal, logo após a fundação de Brasília.
Ou seja, são situações completamente diferentes – os moradores de Planaltina foram prejudicados pela inércia do Poder Público em reconhecer a legalidade do registro dos seus lotes. Já os proprietários de terrenos comercializados de forma ilegal buscam garantir um benefício individual em detrimento dos prejuízos coletivos provocados pela ocupação desordenada do solo.
O crime de grilagem não é um privilégio do Distrito Federal. Como bem lembra a Transparência Brasil, o comércio ilegal de terras está por trás da destruição da Amazônia, é responsável direto pela degradação ambiental em diferentes regiões de preservação do país, coloca em risco a vida de pessoas que moram em áreas inapropriadas e representa uma ameaça à economia.
O julgamento da Quarta turma do Tribunal de Justiça do Distrito Federal é uma boa oportunidade para fixar um entendimento que seja o melhor para toda a sociedade, em Brasília e no Brasil. Em tempos de crise climática, em que a ocupação territorial deve obedecer a preceitos ambientais rígidos, qualquer estímulo à ilegalidade na ocupação de terras públicas ou privadas é uma ameaça real a todos.
O voto dos desembargadores Fernando Habibe e Mario Zan pode modular o entendimento do Tribunal e é uma oportunidade de dar um basta a um crime que segue crescendo na capital do Brasil e em todo o país. Segundo dados do Governo de Brasília, somente em 2023, em um período de seis meses, os órgãos de fiscalização derrubaram propriedades construídas em áreas ilegais que somadas equivalem a 600 campos de futebol, um aumento de 51% se compararmos com todo o ano de 2022.