A ida do ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, em uma manifestação pró-governo, participando de aglomeração pública em meio à pandemia do novo coronavírus, representa a derrota final da ciência no governo Jair Bolsonaro.
Agora, após a demissão de dois médicos do Ministério da Saúde, o que vale é a ordem do chefe a um militar que assumiu o cargo mais importante do governo, já que vivemos no contexto da maior crise sanitária dos últimos cem anos.
O gesto de Pazuello de se juntar ao protesto neste domingo, 24, acontece pouco depois de o país chegar ao posto de segundo colocado no número de casos diagnosticados de Covid-19 no mundo. Se soma com a publicação, na semana passada, do protocolo que libera o uso da cloroquina em todos os pacientes com os sinais da doença.
O ministro interino não verbalizou, mas revelou, com a ida ao protesto, ser contra a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de isolamento social. Pazuello já havia se mostrado contrário à necessidade de comprovação científica para a liberação de um medicamento.
Para além da possível ineficácia contra o coronavírus, o uso indiscriminado da cloroquina contra a Covid-19 tem gerado preocupação em setores da medicina e da ciência diante dos efeitos colaterais identificados em alguns pacientes, como paradas cardíacas.
Nos dois casos, Pazuello reflete o pensamento do presidente Jair Bolsonaro, que dobrou a aposta neste fim de semana no que diz respeito ao seu ideário de governar somente pelo embate político.
Antes de participar do ato com cartazes antidemocráticos contra o Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro postou uma crítica velada ao ministro Celso de Mello, decano da corte, que decidiu pela divulgação do vídeo da desastrosa reunião ministerial do dia 22 de abril.
A postagem em uma rede social trazia um artigo da lei de abuso à autoridade. A ideia é a de suspeição do magistrado na condução da investigação sobre a tentativa de interferência política na Polícia Federal, denunciada pelo ex-ministro da Justiça Sérgio Moro.
O presidente seguiu então para uma manifestação, desta vez usando ostensivamente o aparato da presidência: helicóptero para sobrevoar os seus apoiadores, apesar de a distância entre o Palácio do Alvorada, onde mora, e o ato pró-governo ser de menos de quatro quilômetros.
Bolsonaro passeou entre os manifestantes e descumpriu de novo todas as recomendações médicas das autoridades sanitárias mundiais. Como se não bastasse em apenas 24 horas, fez uma live na qual disse que o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, sabe “fazer valer as forças armadas” e que “o melhor exército é o povo”.
Enquanto parte novamente para o embate e o confronto entre os poderes da República, o presidente começa a semana com uma dolorosa derrota política. Donald Trump, escolhido como aliado preferencial, cumpriu o que prometeu e proibiu a entrada nos EUA de não americanos que estiverem no Brasil. Trump fechou as portas.
A ideia de que o país poderia virar um pária já vinha sendo apontada por diplomatas. A gestão e a sinalização do governo, que agora ganha o reforço do ministro interino da Saúde, tem feito um estrago para além da ciência em meio à pandemia.
Há uma crescente fuga do capital estrangeiro. Em março, o país registou um recorde: a maior retirada de investidores desde 1995, como informa o Estado de S.Paulo nesta segunda, 25. É o governo federal, de uma vez só, se opondo, sem pudor, à ciência, à política e à economia.
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