O ministro Rogério Schietti, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), criticou duramente a política de liberação da posse e do porte de armas defendida pelo governo de Jair Bolsonaro. O ministro incluiu a crítica no voto que deu ao julgamento de um habeas corpus (HC 619.750/RS) pedido por um homem preso e condenado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul por transportar, ilegalmente, munições.
“Nos últimos 3 anos, as políticas desenvolvidas pelo governo federal e as declarações do próprio Presidente da República contribuíram sobremaneira para o detectado aumento significativo de aquisição de armas de fogo por civis”, criticou Schietti.
No mesmo período, afirmou o ministro, cresceu no país o número de mortes violentas intencionais. “Foram 25.699 mortes no primeiro semestre de 2020 contra 23.953 no mesmo período de 2019”, disse, citando dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entidade especializada no assunto.
A coluna concorda com o ministro. Além de tudo o que ele escreveu no voto, é preciso lembrar que boa parte das armas compradas legalmente termina nas mãos do crime organizado, como o tráfico de drogas e a milícia. Isso ocorre porque muitos donos perdem as armas em assaltos (e muitas vezes são feridos ou mortos) ou então as vendem para criminosos. Assim, traficantes e milicianos, por exemplo, passam a dispensar a estrutura complexa do tráfico de armamentos para acessá-los de maneira mais ágil, fácil e barata por meio de laranjas.
No voto, o magistrado deixou claro que “as medidas adotadas pelo Governo Federal com o intuito de ampliar o acesso da população civil às armas de fogo foram concretizadas por meio de decretos presidenciais”.
O documento é muito completo. Nele, Schietti traçou um panorama sobre a recente história do assunto no país e observou que, apesar das campanhas publicitárias contra o uso de armas e da promulgação do Estatuto do Desarmamento, “não se logrou registrar, no Brasil, diminuição nos níveis de violência no país, em boa parte causadas por armas de fogo”.
O ministro também explicou que “uma das razões para tanto se deve ao fácil acesso a armas e munições, por conta do comércio clandestino, e a ausência de uma efetiva fiscalização, não apenas das fronteiras, mas dos próprios centros urbanos, onde, a par dos criminosos, muitos “cidadãos de bem” se creem mais seguros com um revólver ou uma pistola”.
O magistrado citou dados do Atlas da Violência de 2020, que apontou um aumento de 120,3%, de 2019 para 2020, nos registros de armas de colecionadores, atiradores e caçadores nos sistemas federais. Ao todo, o país tem cerca de 2,1 milhões de armas registradas nessa condição.
Ele mencionou ainda uma pesquisa do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), feita em 16 unidades da federação e referente 2011 e 2012, que comprovou que entre 25% a 80% das causas de homicídios no Brasil decorreram de motivos fúteis, como brigas, ciúmes, conflitos entre vizinhos, desavenças, discussões, violências domésticas, desentendimentos no trânsito.
Por fim, o ministro concluiu que “o maior acesso a armas não pode ser pensado como meio para evitar a prática de novos crimes, visto que tais artefatos, por vezes, acarretam uma escalada na prática de atos violentos, alguns deles por acidente, em situações domésticas, que poderiam ser resolvidas com medidas preventivas, mas também sancionadoras mais eficazes”.
Comentário da coluna: até hoje, Bolsonaro nunca desmentiu sua relação de amizade com policiais acusados de participar da milícia no Rio de Janeiro. Muito pelo contrário, ele e seus filhos usaram seus mandatos parlamentares para prestar homenagem a alguns deles e legitimá-los. Quando a relação de um político com a milícia passará a ser motivo de inelegibilidade?