Jornal Nacional ‘transforma’ Ciro Gomes no ‘personagem mito’
Ou… as verdades que o pedetista falou na Globo - e que fazem sentido
No Round 2 da semana mais importante da eleição de 2022, Ciro Gomes saiu-se bem. Muito bem.
Melhor – e bem melhor – que o presidente Jair Bolsonaro, que perdeu seu principal ativo político: o “personagem mito” criado pela extrema-direita há quatro anos nas redes sociais.
Mas aí depende do que você, leitor, acredita ser “sair-se bem”. Leia até o final que ficará mais fácil de entender.
O pedetista, que tenta ser o candidato “nem Lula, nem Bolsonaro”, mesmo estando na centro-esquerda do espectro político (o que torna tudo mais difícil), falou umas importantes verdades no telejornal mais assistido do país.
Criticou os problemas dos dois lados da polarização – apresentou bons motivos para evitar que seu voto vá para um ou outro -, e não voltou a errar num fundamental fato já comentado aqui na coluna: comparar Lula com Bolsonaro.
Aliás, este espaço fez questão de contar: Ciro falou quatro vezes a palavra Lula e seis a palavra Bolsonaro, chamando o atual presidente de “cidadão” – em outras duas ocasiões – e citando o PT três vezes.
Você pode achar que a soma do Lula + PT ficou maior que Bolsonaro + cidadão, mas Ciro fez sim uma diferenciação (não tanto quanto deveria se a questão for o apreço à democracia) entre os dois nos gestos e na forma.
O pedetista estava bem menos confuso e virulento do que no Roda Viva e do que na sabatina da Globonews, por exemplo.
Aceitou críticas de Renata Vasconcellos e soube sair das perguntas de William Bonner – “gostei da ideia” foi perfeito, já que o jornalista o questionava sobre a dificuldade de ele conseguir apoio no Congresso em 2023, mas iniciou a pergunta com um “se eleito”.
Mitou.
Mais do que isso: se a ideia de analistas políticos foi a de dizer que Bolsonaro “empatou” razoavelmente e, por isso, saiu-se bem, Ciro Gomes ganhou de goleada ao aproveitar 40 minutos no horário nobre para falar à classe média, aos mais pobres, aos ricos (fazendo sentido mesmo com um novo tributo aos bilionários), ao nordestino, ao nortista, aos cidadãos e cidadãs das outras três regiões do Brasil.
Porque é disso que se trata quando você se senta na bancada do Jornal Nacional.
O pedetista ainda chamou Renata Vasconcellos de “irmã” ao lembrar números (quase certos) sobre o que classificou de “destruição” da indústria brasileira.
Também acertou o tom ao dizer que a “algema vai voltar a funcionar no primeiro dia de governo” em relação a crimes ambientais na Amazônia. E que – para o narcotráfico dominar a nossa floresta – é preciso, no mínimo, a conivência das Forças Armadas.
Ciro Gomes até citou que foi processado por um ministro-militar de Bolsonaro ao dizer essa verdade. Bem, se a entrevista seguiu por esse caminho, posso dizer que tenho a isenção total para escrever sobre Ciro, que já processou este que vos escreve (ele perdeu, diga-se de passagem).
Mas um político que é capaz de citar Albert Einstein numa entrevista no Jornal Nacional para tentar desfazer a polarização PT-bolsonarismo merece, no mínimo, respeito.
Disse o pedetista: “porque a ciência da insanidade, dizia Einstein, talvez o maior cérebro da idade moderna, é você repetir as mesmas coisas e esperar resultados diferentes. Estou tentando mostrar ao povo brasileiro que essa polarização odienta, que eu não ajudei a construir, [será ruim]. Tentei advertir que não se podia usar a promessa enganosa do Bolsonaro para repudiar a corrupção generalizada e o colapso econômico produzidos pelo PT”.
Os críticos dirão que, assim, ele não falou ao brasileiro comum. Mesmo que nesse trecho ele tenha trazido muita sofisticação, Ciro Gomes foi humilde, sorriu, sendo simpático, e pedindo votos educadamente – de forma simples na maior parte do tempo da entrevista. Parece mesmo que ele cumprirá a promessa de que essa é sua última campanha.
Um aviso, para o eleitor petista que pode achar que ele comparou Lula com Bolsonaro, o pedetista os respondeu em dois momentos: ao dizer que pode “reavaliar” o discurso belicoso dos últimos meses e ao ser assertivo dizendo que o “enfrentamento […] das milícias que, a partir do Rio, começam a evoluir para lavar dinheiro e ENTRAR NA POLÍTICA… não serão enfrentadas localmente”.
Ciro Gomes foi até perigoso em relação à sua própria candidatura neste momento, pendendo para um dos lados.
Vale, a partir desse pressuposto, prestar a atenção a esses dados, o número que coloca o ex-presidente Lula com uma vantagem tão folgada que, para o cientista político Antônio Lavareda, pode empurrar o eleitor brasileiro para o voto útil no primeiro turno.
Especialmente, o eleitor “cirista”.
E isso não é um aviso, mas apenas uma constatação política.