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Interpretação sobre Eldorado Celulose abala investimento, diz especialista

Em artigo enviado à coluna, professor da USP Gilberto Bercovici analisa impactos do parecer emitido pelo MPF em disputa empresarial bilionária no país

Por Matheus Leitão Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 9 Maio 2024, 11h06 - Publicado em 23 mar 2024, 19h00

Um dos componentes essenciais à soberania nacional é o controle sobre o território por parte do Estado. Trata-se de uma função política da propriedade, função esta crucial para garantir a independência do país. Não por acaso, quase a totalidade dos países adota alguma forma de controlar a aquisição de propriedade por estrangeiros, já que esse controle é parte integrante da própria soberania nacional. Isso vale para os Estados Unidos, que têm legislações estaduais sobre o tema, vale para a China e, igualmente, é aplicável ao Brasil, entre outros.

Aqui, introduzimos na Constituição de 1988 a determinação (artigo 190) de que existem limitações para a aquisição, ou arrendamento, de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira. Limitações que devem ser reguladas por lei específica e são cabíveis para propriedades rurais, não sendo aplicáveis ao regime jurídico de propriedades urbanas. A Lei nº 5.709, de 7 de outubro de 1971, e a Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, estabelecem que estrangeiros podem comprar ou arrendar propriedades rurais até determinado limite (100 módulos de exploração indefinida, uma medida de área para propriedades rurais). Acima deste teto, a previsão é a de que haja autorização para a aquisição por parte do Congresso Nacional e dos órgãos administrativos competentes, como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

A Lei nº 5.709/1971 estipulou que estariam sujeitas às restrições legais as pessoas jurídicas brasileiras das quais participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou pessoas jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e sede no exterior. Na época em que foi elaborada a lei, toda empresa estrangeira necessitava de autorização expressa do Governo Federal para poder atuar no Brasil (artigo 64 do Decreto-Lei nº 2.627, de 26 de setembro de 1940). Além disso, a lei é anterior à promulgação da Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976), que modernizou nossa legislação empresarial e introduziu a questão do poder de controle da empresa no Brasil.

Exerce o poder de controle, segundo a legislação brasileira (artigo 116 da Lei nº 6.404/1976), quem é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia e que utilize efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia. Ou seja, o poder de controle é composto por controle decisório e por controle de capital.

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A restrição à aquisição de propriedade ou arrendamento rural da Lei nº 5.709/1971 foi sempre interpretada de acordo com a estruturação das empresas prevista na Lei das Sociedades por Ações de 1976. Ou seja, uma participação acionária estrangeira minoritária que não exercesse o poder de controle não incorreria nas limitações previstas na lei. Tanto é assim que o próprio Incra exige como requisito essencial para a concessão de autorização ou arrendamento de imóveis rurais por pessoa jurídica estrangeira, ou pessoa jurídica brasileira equiparada à estrangeira, a comprovação de que a participação estrangeira na empresa tenha a maioria do capital social ou o poder de conduzir as deliberações da assembleia geral, de eleger a maioria dos administradores e de dirigir as atividades e orientar o funcionamento da companhia (artigo 2º, V da Instrução Normativa Incra nº 88, de 13 de dezembro de 2017). Em síntese, a regulamentação do Incra repete os mesmos requisitos do poder de controle existentes na Lei das Sociedades por Ações.

Causa muita estranheza a repentina mudança de posicionamento do Incra, acompanhado também pelo Ministério Público Federal (MPF) – revelado pela coluna – no caso da aquisição da empresa de celulose Eldorado, violando a própria legislação regulamentadora da aplicação da Lei nº 5.709/1971. De acordo com o novo posicionamento do Incra e do MPF, basta haver qualquer participação acionária estrangeira, não importando se capaz de exercer o poder de controle ou não, para ser necessária a obtenção de todas as autorizações previstas na legislação em vigor.

Esta modificação de posicionamento traz grande insegurança jurídica ao setor rural brasileiro, incluindo o agronegócio, a criação pecuária, o extrativismo, a mineração e até a geração de energia. Todas essas atividades econômicas são exercidas por uma série de empresas nacionais que comportam em seu capital acionário a participação, ainda que minoritária, de capitais estrangeiros, tanto de outras empresas quanto de fundos de investimento.

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Caso prevaleça a nova interpretação do Incra e do MPF sobre a aquisição e arrendamento de imóveis rurais por estrangeiros, exigindo que toda e qualquer participação acionária estrangeira seja motivo de obtenção de autorizações especiais, haverá um verdadeiro terremoto em todas as estruturas societárias do agronegócio no Brasil, com a possibilidade concreta de anulação de dezenas ou centenas de contratos e de operações, gerando um caos regulatório de difícil solução.

O resultado será não a garantia da soberania nacional, que não se discute em hipótese alguma, mas o afugentamento dos investimentos externos e a crise no setor que hoje garante o crescimento do país. O Governo Federal e o Poder Judiciário devem evitar que uma interpretação desarrazoada e sem fundamento seja preponderante e acabe por acarretar uma onda de nulidades e anulações capaz de trazer prejuízos incomensuráveis ao desenvolvimento do país.

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O professor Gilberto Bercovici, da USP (Arquivo Pessaol/Reprodução)

* Gilberto Bercovici, Professor Titular de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da USP

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