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Blog de notícias exclusivas e opinião nas áreas de política, direitos humanos e meio ambiente. Jornalista desde 2000, Matheus Leitão é vencedor de prêmios como Esso e Vladimir Herzog
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Greve: o governo Lula virou as costas para as universidades federais?

Professores ouvidos por Rodrigo Vicente Silva ressaltam que os avanços dos últimos anos veio atrelado a uma severa precarização da infraestrutura

Por Rodrigo Vicente Silva
Atualizado em 9 Maio 2024, 15h05 - Publicado em 6 Maio 2024, 10h19
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  • Se há uma máxima quando se conversa com gestores, professores e especialistas é a de que programas de acesso à educação de nível superior foram um ganho significativo nos últimos anos. Muito – ou quase totalmente do mérito – é creditado aos governos do PT,  principalmente se o tema é o acesso ao ensino superior. Há consenso de que os anos de Fernando Henrique Cardoso foram importantes para o avanço da educação básica, mas que os governos Lula e Dilma, por meio da gestão do ministro Fernando Haddad, à época no comando da pasta da educação, foram essenciais para o avanço da ampliação de vagas e do modelo de acesso à universidade pública no Brasil: ProUni, Enem, Lei de cotas, são alguns exemplos das iniciativas.

    Desde o começo de abril, contudo, se os avanços são tidos como fundamentais, as reivindicações da categoria ganharam corpo e se transformaram em uma greve que se alastra  por todo país. “As universidades federais tiveram uma ampliação enorme e muito necessária. Mas esta ampliação tem se dado às custas da deterioração da carreira docente e da estrutura das universidades”, salienta o professor Daniel Tourinho Peres, do Departamento de Filosofia da Universidade Federal da Bahia, que já foi conselheiro da associação que representa sua categoria na UFBA. Para alguns, o governo Lula pouco ou nada sinalizou às universidades. Para outros, houve pequenos acenos como o aumento de 9% em 2023, mesmo assim muito longe do que pede a categoria.

    Se o movimento não tem ganhado tanta repercussão de parte importante da imprensa, que nos últimos dias foi tomada pelas graves enchentes do Rio Grande do Sul, os professores ouvidos pela coluna atestam que há fôlego para o movimento. Eles sabem que será difícil por inúmeros motivos. Greves são, pela própria natureza do movimento, difíceis para todos que estão envolvidos. Professores, gestores e alunos entram em uma paralisação que não se sabe aonde pode chegar. São inúmeras as incertezas, desde a própria resolução da demanda até a reposição de calendários do ano letivo que mexem com a agenda e a vida pessoal de todos.

    Outro ponto, este o mais problemático, é o custo social para a imagem da universidade, já muito deteriorada pelos ataques do governo Bolsonaro. Os professores sabem que parte do movimento de extrema-direita liderado pelo ex-presidente teve e tem a universidade pública como alvo. Seja pela pecha de “balbúrdia” ou pela “ideologia comunista”, é comum ouvir críticas à universidade pública. “A greve não é forte e menos ainda consolidada. Nunca vi uma greve em que a maioria absoluta dos docentes tem sérias dúvidas sobre ela, ainda que todos estejam sentindo muito a perda salarial acumulada, bem como a degradação das instituições. Nunca o sentimento de mal-estar frente à decisão de assembleias pouco representativas foi tão forte”, argumenta o professor Daniel Perez da UFBA. O sentimento é compartilhado com outros docentes que foram ouvidos, mas que preferem não expor suas identidades. Para estes professores falta um diálogo com os não sindicalizados, a fim de ampliar a representatividade da universidade das assembleias.

    Outro ponto que é avaliado como de difícil resolução é que as relações na universidade são distintas porque são os próprios docentes que ocupam a maior parte dos cargos de liderança. Em determinado momento estão chefiando departamentos, dirigindo setores, ao passo que retornam para as salas de aula. Outra dificuldade é o próprio público que a universidade atende, ou seja, alunos, que na maioria das vezes, dependem da universidade para inúmeros aspectos como alimentação, moradia, além das perspectivas profissionais, que estão atreladas à finalização do curso e da inserção no mercado de trabalho.

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    Se o número de vagas foi ampliado, a questão do ingresso da pós-graduação é um calo para área e muito tem a ver com a deterioração do plano da carreira docente, argumentam os professores. Um estudo publicado na Revista Fapesp, ligada à agência de fomento do Estado de São Paulo, mostra uma diminuição significativa no número de alunos em cursos de mestrado e doutorado no Brasil. Um dos problemas é o próprio estilo da pós-graduação no país. Por mais que ela represente grande avanço, os programas são ainda muito engessados e formam, em sua maioria, profissionais para continuar na academia como professores universitários. E aqui é que está o problema. Para esses professores ouvidos, parece sintomático que haja uma diminuição no número de inscritos, dado que com salários pouco atrativos e com baixa perspectiva de empregabilidade mediante titulações mais altas, a pessoa não se interesse pelo caminho da pós-graduação. Ademais, o custo se torna ainda maior se levar o tempo de formação e as bolsas de estudo que seguem o mesmo caminho, com rendimentos muito abaixo do mercado de trabalho, embora tenham sido atualizadas no ano de 2023. Evidentemente, salientam os especialistas, há de uma área para outra inúmeras diferenças. Há setores com maior fluxo de produção e com maior ou menor entrada na sociedade. Sabe-se, também, que boa parte da ciência produzida no Brasil vem das universidades e institutos ligados a elas. Mesmo assim, o cenário a médio e longo prazos parecem conturbados.

    E se olhar para o futuro parece complexo e sem perspectivas, a realidade atual se impõe de forma igualmente difícil. O cenário ideal é repleto de sugestões da categoria. A recomposição de 40% representaria a soma das perdas inflacionárias dos últimos anos, salienta a professora Mayra Goulart da Silva, do departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A docente, que preside a associação dos professores da UFRJ, entidade que decidiu por não aderir à greve, compreende que o cenário que permitiu a eleição do presidente Lula foi a composição de uma frente ampla. E que arranjos dessa natureza envolvem lideranças e movimentos políticos de vários espectros, dentre eles os que defendem uma formulação econômica que prime por um regime fiscal responsável com as contas públicas, o que implica, por óbvio, cortes em diversas áreas.

    Para o professor Daniel Perez da UFBA, o cenário mais aceitável seria a recomposição salarial e investimentos maciços na recuperação dos campi e em pesquisas. A primeira proposta do governo, ressalta Perez, foi zero de aumento em 2024, e 4,5 em 2025 e 2026, depois foi para zero em 2024, e 9 em 2025 e 3,6 em 2026, com um incremento de 0,5 na progressão ao longo da carreira. O docente lembra que o acordo que o governo fechou com o Banco Central é aceitável: zero em 2024, e 10,9 em 2025 e 2026, com 1% ao longo da progressão na carreira. Isso, claro, acompanhado do PAC das universidades, uma demanda que vai além da carreira, dada a deterioração das universidades nos últimos anos, que viram seus campi serem esquecidos no que diz respeito à manutenção e a incrementos tecnológicos.

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    Não é para todos que esse cenário de acordos se coloca como aceitável. Para o professor Leon Victor Queiroz da Universidade Federal do Pernambuco, “o governo errou ao dar aumentos setorizados a órgãos que não são historicamente comprometidos com a linha ideológica do governo atual”. O pior, diz Queiroz, foi anunciar a construção de novos institutos federais de educação. Um dos argumentos levantados pelo professor é o de que se a infraestrutura dos atuais campi está ruim, como construir outros. Ademais, se os salários dos atuais professores está defasado, como contratar novos professores. Queiroz lembra também o compromisso de dar início ao PAC da Educação, o que permitiria investimentos massivos na área. “Fala-se em concluir obras inacabadas e construir novos campi. Não se fala em reformar campus de excelência que sofrem com a degradação estrutural. Não se faz políticas públicas apenas com coração e sonhos, se faz com evidências e planejamento”, pontua o professor da UFPE.

    Quando questionado sobre o apoio dado ao atual presidente na campanha, o professor Leon Victor Queiroz é enfático: “É verdade que a ampla maioria dos docentes votou em Lula, mas uma coisa é eleger o presidente, outra coisa é aceitar trabalhar em condições de degradação e com salários extremamente defasados”. Acerca de uma retribuição do governo com a categoria, ele diz que falta uma retribuição do governo. “No meu entender não foi dar aumento, mas ter um projeto decente de reorganização da carreira e de alavancamento das universidades federais. O que recebemos foi um grande nada, por isso a greve. Não é só por melhores salários, é por melhor infraestrutura e por mais dignidade. Dignidade que não foi negada à Polícia Federal nem ao Banco Central”.

    O que se sabe é que a realidade é difícil e mostra um cenário pouco animador. Resta saber se o governo dará sinais que possam trazer perspectivas para a área.

    * Rodrigo Vicente Silva é mestre e doutorando em Ciência Política (UFPR-PR). Cursou História (PUC-PR) e Jornalismo (Cásper Líbero). É editor-adjunto da Revista de Sociologia e Política. Está vinculado ao grupo de pesquisa Representação e Legitimidade Democrática (INCT-ReDem). Contribui semanalmente com a coluna do Jornalista Matheus Leitão, na revista Veja

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