Há 33 anos no serviço público, o delegado de Polícia Federal Alessandro Moretti esteve no centro das controvérsias políticas das últimas semanas ao ser acusado de ter ligações com o bolsonarismo, mesmo ocupando o segundo cargo na hierarquia da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) – órgão responsável por municiar o presidente da República de informações sensíveis e estratégicas para a segurança nacional.
Exonerado na última terça-feira, 30, por Lula, Moretti deixou o cargo contrariado com a guerra de narrativas políticas que o atingiu em cheio. Em sua primeira entrevista após a demissão, ele nega qualquer envolvimento com o bolsonarismo e lamenta a politização de temas relacionados às investigações policiais e de inteligência.
“Eu mesmo determinei a abertura de sindicância interna. Assim como a Polícia Federal faz com os seus membros, o CNJ faz com os magistrados, a Abin também deve fazer o trabalho permanente de cortar na carne e retirar maus servidores de lá, caso as apurações confirmem os desvios de conduta. Isso é muito diferente de generalizar acusações a determinados setores ou mesmo à instituição como um todo”, desabafou com exclusividade à coluna.
Segundo ele, “não tem sentido taxar a Abin de bolsonarista”. “Foi a Agência que alertou para os episódios do dia 8 de janeiro e, inclusive, subsidiou as investigações das CPI dos atos antidemocráticos. Teve um papel inatacável nesse aspecto”, completou.
Leia abaixo os principais trechos da conversa de Moretti com a coluna:
O senhor trabalhou com Anderson Torres, secretário de Ibaneis Rocha, que teve papel destacado no episódio dos ataques terroristas do dia 8 de janeiro de 2023 e foi diretor de inteligência da Polícia Federal durante a gestão Bolsonaro. Isso não o credencia como um bolsonarista?
Alessandro Moretti – Existem a verdade e as meias-verdades e basta analisar os fatos para diferenciar uma coisa da outra: eu já era secretário-executivo da Secretaria de Segurança Pública do DF, em 2018, no governo Rollemberg (PSB) e continuei nesse cargo no governo Ibaneis Rocha, quando Anderson Torres assumiu. E saí da função, a pedido, bem antes dos eventos de janeiro, em junho de 2020. Os cargos diretivos da PF são eminentemente técnicos, como, aliás, foram as funções que ocupei em toda minha vida. Por isso sou muito grato ao Dr. Luiz Fernando Correa quando me confiou a recente missão na Abin. Não sou filiado a partido político e ocupei cargos de confiança na PF e outros órgãos em todos os governos, desde FHC. Costumo sempre dizer e reafirmo: não sirvo a esse ou àquele governo; sirvo às instituições, ao Estado e à sociedade.
Existia uma Abin Paralela atendendo a interesses políticos escusos dos governantes de plantão?
Alessandro Moretti – As apurações são feitas para investigar isso, mas é importante que elas sigam seu curso técnico regular, dentro das normas estritas, do devido processo legal e sem uso político. Por isso eu mesmo determinei a abertura de sindicância interna. Assim como a Polícia Federal faz com os seus membros, o CNJ faz com os magistrados, a Abin também deve fazer o trabalho permanente de cortar na carne e retirar maus servidores de lá, caso as apurações confirmem os desvios de conduta. Isso é muito diferente de generalizar acusações a determinados setores ou mesmo à instituição como um todo. Diversas medidas foram adotadas e muitas outras estão sendo implementadas pela atual gestão para a modernização da gestão da Agência. Esse trabalho, inclusive, foi o que garantiu uma apuração ampla e independente. Agora, não tem sentido taxar a Abin de bolsonarista. Foi a Agência que alertou para os episódios do dia 8 de janeiro e, inclusive, subsidiou as investigações das CPI dos atos antidemocráticos. Teve um papel inatacável nesse aspecto. Existem, sem dúvida, aprimoramentos a ser feitos e eles já são estudados e estão sendo implementados.