Neste sábado, 6, Elon Musk, proprietário da plataforma X (ex-Twitter), desafiou em uma série de postagens em inglês o ministro Alexandre de Moraes do STF. Primeiro, com uma pergunta: “Por que você está exigindo tanta censura no Brasil?”. Depois, de modo mais direto, Musk afirmou: “Nós estamos suspendendo as restrições. Esse juiz aplicou penas massivas, ameaçou prender nossos funcionários e cortar os acessos ao X no Brasil”. Embora o bilionário não explique quais restrições descumprirá, conclui dizendo: “Como resultado, nós provavelmente vamos perder todas as receitas no Brasil e teremos que fechar nosso escritório lá. Mas princípios importam mais que lucros”.
A escalada de Musk contra Moraes, que determinou o bloqueio de contas nos inquéritos das milícias digitais e do 8 de janeiro, é sintomática no contexto das guerras internéticas que caracterizam o exercício do poder no século 21. Desenvolvida nos EUA na Segunda Guerra Mundial, a internet surgiu como uma ferramenta de defesa militar: uma rede à prova de falhas que o presidente e os cientistas nucleares poderiam usar para comunicação na eventualidade de um ataque nuclear catastrófico. De que outro modo poderiam as pessoas conversar se todas as linhas telefônicas fossem destruídas? Assim, desde sua origem a internet é o resultado do complexo militar-científico estadunidense, especialmente no período da Guerra Fria. Em muitos aspectos, o seu desenvolvimento raramente ocorreu de modo “democrático” ou “aberto”, mas ligado aos interesses do Estado e seu aparelho tecnocrático.
A reviravolta da internet está associada ao computador pessoal no final do século passado, o lobby de megacorporações informáticas e a proliferação de utopias libertárias cibernéticas. Novos sentidos e propósitos foram associados ao uso da internet como, por exemplo: meio de liberdade de expressão; difusão do conhecimento; catalizador de inovação; plataforma integradora de inteligências coletivas; canal de emancipação humana. De fato, a internet se popularizou e enraizou na vida cotidiana da humanidade, ultrapassando hoje a impressionante marca de 5,1 bilhões de usuários em todo o mundo. Deste modo, na medida em que se torna um espaço privilegiado de interação humana, a internet é tanto um local quanto um conteúdo, uma maneira de raciocinar e agir, um modo de existir. À medida em que se tornou um fator econômico e político cada vez mais relevante, o que era aparentemente uma de suas maiores promessas, a liberdade irrestrita, teve de ser reconsiderada.
Fatores como o comércio ilegal de dados sensíveis dos usuários, capturados soturnamente por décadas; casos como Snowden e Wikileaks, que vazaram documentos sigilosos de governos e empresas; e a suspeita de interferência russa na disputa presidencial dos EUA de 2016 através do disparo massivo de fake news e desinformação via mídias digitais, expuseram a fragilidade do discurso libertário dos “ciberotimistas”. A euforia associada à internet como veículo intrinsecamente democratizante foi frustrada, pois está claro que ela pode ser um espaço de manipulação de clientes por empresas e controle de cidadãos por governos. A tensão Musk/Moraes expõe a ironia das guerras internéticas de nosso tempo: desde seu início, a internet nunca foi um ambiente inocente de liberdade, mas de disputa de poder econômico, ideológico e geopolítico.
*Davi Lago é professor, coordenador de pesquisa no LABÔ/PUC-SP e doutorando em Filosofia e Teoria do Direito pela Faculdade de Direito da USP – Largo do São Francisco