O sistema de controle de produção de bebidas deve ser retomado quanto antes. Esse foi o entendimento apresentado por entidades da sociedade civil, academia e associações do setor durante a audiência pública da Receita Federal realizada nesta quarta-feira, 2, para discutir o retorno da sistemática no país.
Suspenso no país desde 2016, o Sicobe era a principal ferramenta de fiscalização da Receita para o setor de bebidas. Fornecia dados em tempo real que permitiam a checagem e o combate à sonegação, falsificação, subdeclaração e elisão fiscal.
Esta foi a primeira audiência pública da história da Receita.
Os dados apresentados durante a audiência demonstraram a preocupação de entidades e associações com o avanço do mercado ilegal no Brasil. O Instituto Brasileiro da Cachaça estima que pelo menos 14,6% do volume comercializado de bebidas alcoólicas é ilegal.
A Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF) apontou para o problema da falsificação de bebidas. De acordo com a entidade, houve um incremento de 12% no volume de produtos falsificados no mercado de bebidas ao longo dos últimos sete anos.
“A partir do momento que você não rastreia o que está sendo produzido nas fábricas, você possibilita que médios e pequenos produtores, que são sonegadores contumazes, possam enviar insumos para as quadrilhas de falsificação”, afirmou Rodolpho Ramazzini, presidente da ABCF.
A preocupação com os prejuízos causados pela subdeclaração e mercado ilegal foi compartilhada pelos professores Carlos Atushi e José Roberto Savoia, da FIA-USP, que questionaram a diferença entre o crescimento da produção e a arrecadação.
Os especialistas fizeram um estudo que apontou uma discrepância entre os tributos colhidos pelo Fisco e o crescimento da produção logo após o desligamento do sistema de controle. Enquanto o aumento da produção do setor foi de 10%, a arrecadação aumentou apenas 4%, indicando uma possível subdeclaração das empresas sem a sistemática governamental.
“Algumas coisas que nós entendemos é que o Sicobe pode trazer bons resultados: primeiro, restaurar clareza sobre produção e venda da indústria. Segundo, criar mecanismos que possam segregar o produto falsificado do descaminho e parte da sonegação”, defendeu Savoia.
O secretário-especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, destacou que a discussão busca dar transparência ao debate de controle de produtos no país, garantindo que o material apresentado na audiência será analisado de forma técnica e com o melhor resultado para a população. “É a eles que nós devemos as nossas respostas em relação ao trabalho da Receita Federal, ao trabalho de arrecadação e ao trabalho de buscar sempre a justiça fiscal”.
Entretanto, logo após a fala do secretário, o coordenador de Fiscalização da Receita, Ricardo Moreira, se posicionou, na avaliação de presentes no evento, contra o sistema de produção de bebidas e de cigarros. Para ele, a reforma tributária vai trazer uma outra racionalidade e que vai demonstrar a desnecessidade de controle de produção e de rastreabilidade de mercadoria.
A fala foi rechaçada pela representante do Ministério da Saúde, Vera Luiza da Costa e Silva, que foi a secretária da Convenção Quadro da ONU, elaborando diversos protocolos internacionais para coibir o avanço indiscriminado do cigarro no mundo. A pesquisadora recomendou que a Receita Federal contemple, em um novo sistema de controle, todas as medidas recomendadas pelo Ministério da Saúde e os protocolos internacionais da convenção da qual o Brasil é signatário.
Se pronunciaram ainda entre os defensores do retorno do sistema de controle de produção de bebidas com controle do Estado a Casa da Moeda, Aliança de Controle do Tabagismo (ACT), Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF), ABIR – Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de bebidas não alcoólicas, Instituto Brasileiro da Cachaça, Instituto Combustível Legal, Comissão de mineração da OAB-DF, Associação Brasileira de Bebidas Destiladas (ABBD), Vital Strategies, organização global de saúde. Entre as maiores empresas de bebidas no país, a Coca-Cola e a Ambev defenderam o retorno do controle de bebidas, mas sem onerar as empresas.
Nos próximos dias, a Receita Federal deve nomear os integrantes de um grupo de trabalho composto exclusivamente de auditores fiscais. Eles terão até outubro para definir se o órgão vai seguir com o retorno do sistema de bebidas ou se vai continuar sem a ferramenta censitária de fiscalização, em descompasso com as leis vigentes.