Fundador e CEO da Petz, empresa que iniciou suas atividades em 2002 e hoje é líder do ramo de pet shops do país, com mais 236 lojas em 23 estados e no Distrito Federal, Sérgio Zimerman é um exemplo do empreendedorismo brasileiro bem sucedido. Sua atuação, no entanto, não se restringe aos negócios da empresa. No ano passado, emprestou sua experiência para avaliar novos negócios ao figurar como uma das estrelas da edição brasileira do Shark Tank, programa de TV em que fundadores de startups vendem seus negócios para investidores. Também tem atuação política, compondo o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social de Luiz Inácio Lula da Silva. Mesmo integrando o Conselhão de Lula, Zimerman não se esquivou de seguir na direção contrária à do governo federal na avaliação sobre a reforma tributária aprovada no ano passado e em fase de regulamentação no Congresso. “Mais uma vez o Brasil perde a oportunidade de ter feito uma reforma que levasse o Brasil a um outro patamar de países desenvolvidos”, disse a VEJA, distanciando-se também das opiniões da maioria dos economistas e até mesmo de seus colegas empresários. Na entrevista a seguir, Zimerman explica quais são suas principais críticas ao novo modelo:
Por que ficou decepcionado com o texto da Reforma Tributária?
Mais uma vez perde-se a oportunidade de ter feito uma reforma que levasse o Brasil a um outro patamar de países desenvolvidos. O que foi aprovado tem muito mais a ver com uma simples carta de intenções. Agora, neste ano, deverá ter as leis complementares, e, portanto, a gente começará a ter um pouco mais de dados e números sobre a mesa para ver o que foi feito. Na minha concepção, o que foi feito é um grande equívoco. Por quê? A gente já chegou a um consenso de que vivemos em um manicômio tributário, e a impressão que eu tenho é que a gente está trocando um manicômio por outro. Só que esse é conhecido e a gente está indo para um desconhecido. Esse sistema, que foi sendo construído ao longo das décadas, fez com que setores menos competitivos, mais monopolizados ou oligopolizados, fossem tendo uma taxação maior, porque eles conseguiam repassar tudo para o preço. Já setores altamente competitivos, em especial serviços e comércio em geral, foram tendo mais dificuldade, porque são setores muito pulverizados. E quanto mais pulverização, mais informalidade você tem no setor. O que essa reforma propõe nessa carta de intenções aprovada no Senado é sobretudo uma nivelação, sem entrar aí na pauta de exceções que foram criadas. Então, quando a gente fala em nivelar, vamos dar o benefício aqui ao governo, embora eu não acredite, de que a reforma seja neutra. Ou seja, que ela não é arrecadatória, que é simplesmente uma reforma para simplificar e que não vai aumentar a arrecadação. Mas mesmo nesse argumento existe um problema. Você está desonerando vários setores que têm capacidade de passar o imposto para o preço. Exemplo: telecomunicações, energia elétrica, e sobretudo os setores industriais. Todo mundo quer desonerar. O problema é que se é para ser neutro, significa que alguém vai pagar essa conta da desoneração. E quem paga são justamente aqueles segmentos mais pulverizados.
Qual é a consequência disso?
Na minha concepção, o que acontece é que você vai aumentar mais ainda a carga das empresas formais dentro de segmentos que são mais pulverizados e você vai jogar mais gente para a sonegação. O próximo passo é aumentar de novo essa alíquota do IVA, porque a arrecadação está insuficiente e novamente vai aumentar o fosso entre quem é formal e informal. Então, para essa reforma ter alguma possibilidade de produzir efeitos melhores há necessidade do governo entender que não dá para ficar mais cobrando impostos de quem já paga tudo. É necessário ter um amplo sistema de combate à sonegação para que todos possam pagar e assim a gente diminuir a carga tributária para todos. Agora, é um sistema que você deixa meia dúzia pagando, e cada vez pagando mais, e permissivo com um monte de gente que paga nada ou quase nada. É uma tragédia para o país, que fica eternamente subdesenvolvido. Taxas altas de corrupção e taxas altas de sonegação são, sobretudo, características de países subdesenvolvidos. Se a gente não ataca essa questão central, todo o resto que se fizer pelo caminho sempre vai ser um exercício teórico. Eu acho que essa reforma tem muito essa característica de estar colocando muita teoria e imaginando que o setor de serviços e o setor de comércio no geral podem suportar o IVA mais alto do mundo, vai suportar um aumento brutal na carga de serviços e que todo mundo vai recolher imposto normalmente, e que não vai ter nenhum tipo de aumento de sonegação, o que não me parece razoável. Esse é um sistema que está fadado a não funcionar e eventualmente inviabilizar as empresas formais.
Não há nenhum aspecto positivo na reforma?
A reforma tem muita aposta no sistema eletrônico, no sistema que a própria administradora de cartão já vai explicitar o que é imposto, o que é do estabelecimento etc. E aqui tem algumas questões. Primeiro, se é um sistema que não é como nos Estados Unidos, em que o imposto somente é cobrado no momento da venda, mas você tem os créditos e débitos da cadeia, é simplesmente impossível para uma administradora de cartão saber o imposto que o estabelecimento tem que recolher antes de o estabelecimento saber. O ICMS, por exemplo, tem essa característica de créditos e débitos, e você tem que saber o que você comprou, o que você vendeu para saber o que vai ter que recolher para o governo. Como é que em cada transação eletrônica a administradora vai saber qual o imposto que você precisa pagar? Não dá para saber. E ninguém ainda me respondeu como é que se faz isso. A segunda coisa é que a gente não está extinguindo papel moeda. Vamos imaginar que no cartão de crédito, no cartão de débito ou no Pix seja tudo resolvido e se encontrou um jeito de separar o que é imposto do governo. Beleza. E quando for em dinheiro? Como é que você recolhe esse imposto? Tudo isso precisa ser previsto numa reforma tributária e o que eu noto é que não tem resposta clara para essas perguntas. O que me deixa mais preocupado ainda. Quando falo de oportunidade perdida é isso. De tudo o que o Brasil recolhe de impostos, 80% vem do consumo ou da mão de obra dos funcionários. Nos Estados Unidos, considerando o mesmo critério, só 20% vem dessas fontes.
Agora se fala na reforma focada na renda. O que o senhor acha disso?
Ela se faz necessária. Ela é justa que aconteça, mas ela jamais deveria estar vinculada ao consumo porque, na verdade, você deveria ir paulatinamente transferindo os ganhos de outras bases de tributação para diminuir a tributação sobre o consumo. Porque a tributação sobre consumo sempre afeta o mais pobre. O Brasil nunca vai ser um país grande tributando o pobre desse jeito.
O brasileiro sempre pagou um imposto muito alto e a distribuição tributária sempre foi muito injusta. As pessoas mais ricas pagam proporcionalmente menos impostos do que as pessoas mais pobres. Isso muda com a reforma?
Não sei se isso chega a reforçar, mas com certeza mudou de forma estrutural. Isso que você colocou é exatamente o ponto quando você olha para qualquer país desenvolvido no mundo. Sistemas tributários servem para ser um freio a uma concentração de renda, para ser um contrapeso. Isso não significa que isso acaba com a riqueza. Mas quando você distribui de uma maneira melhor, o sistema tributário tem um papel gigante nesse conceito de você cobrar menos de quem pode menos e cobrar mais de quem pode mais, para criar um país mais justo e mais sustentável. A reforma passa longe disso. A reforma quase não toca nesse aspecto central do sistema tributário.
O senhor já foi muito criticado por defender que quem ganha mais deve pagar mais impostos proporcionalmente, porque muitos dos seus pares, grandes empresários, pensam diferente. Continua apanhando?
Continuo, com certeza, mas eu fico muito feliz porque quando ouço os argumentos contrários e as pessoas dizem que eu falei coisas que não falei. Por exemplo, o pessoal fala “mas tem muita corrupção, o governo gasta mal, tem que fazer reforma administrativa ou você quer dar mais dinheiro para o governo gastar”. Não estou falando nada disso. Uma coisa é o jeito que o governo faz para arrecadar, outra coisa é o jeito que o governo gasta. São discussões separadas. Não é porque você está tirando mais dinheiro do pobre do que o rico que está certo. O jeito de arrecadar está errado, e o jeito de gastar, na minha concepção também está errado. Se você precisa fazer a reforma administrativa, você precisa ter mais contrapartida desse volume de impostos que você paga. E aí, quando se tem muita oposição a esse ponto de vista, eu peço para alguém citar um país que admira. Normalmente a resposta são os Estados Unidos. O povo pobre dos Estados Unidos paga mais ou menos imposto que o pobre do Brasil? Sempre paga menos. Quanto mais diversificação de renda, quanto mais gente com capacidade de comprar no país, mais fortes são as empresas, mais fortes não serão os empresários.
O senhor citou a reforma administrativa. Acha que ela deveria ser feita antes da tributária?
Não acho que deveria ter sido feito antes. Tenho certeza. Como é que você faz uma reforma tributária do jeito que está sendo feita numa situação, inclusive ainda de déficit fiscal? E quando se fala que a reforma vai ser neutra, tenho curiosidade de saber em relação a que ela vai ser neutra, se mantendo déficit ou fechando o déficit. Se ela for neutra fechando o déficit, então há aumento de impostos. Se é neutra em relação ao déficit, aí não há aumento de impostos. Agora, como é que você pensa em fazer uma reforma tributária se você primeiro não deveria entender qual é a necessidade de custos que você tem para a máquina pública? Como é que você consegue otimizar até para fazer uma reforma tributária depois mais light, uma reforma tributária que fosse desenvolvedora do país etc. A gente não está resolvendo questões estruturais, nem de tributar menos os mais pobres, e isso para mim é uma questão estrutural, ou o governo gastar de uma forma desconexa com o que recebe. Na verdade, cada vez que dá essa descoordenação, se pensa em novas formas de arrecadar. Praticamente não existe a conversa de como é que a gente corta custos, como é que a gente faz um estado mais eficiente.
A questão tributária ainda é o principal entrave para o crescimento?
Acho que sim. E seja pelo mesmo dito manicômio tributário que nós temos, mas não como uma peça isolada, mas sim como uma peça de referência. Enquanto você tem uma empresa que é formal, há 1 milhão de regras que mudam todos os dias, 27 impostos nas unidades federativas diferentes. Uma complexidade para mudar, para se pagar os impostos gigantes, impostos altíssimos, fiscalização intensa. E isso é a realidade das empresas formais. E, por outro lado, você tem as informais, que passam longe de tudo isso e que acabam provocando uma competição absolutamente injusta. E para piorar esse quadro, agora nós temos mais recentemente a ideia do Cross Border, que é a formalização de quem não paga imposto, porque o que acontece até 2022 é que tinha um imposto de importação que 60% das empresas não pagam, mas pelo menos a gente poderia chamá-los de informais. Só que agora, com a redução para zero, eles continuam não pagando e agora nem informais elas não podem mais ser chamadas, já que é uma decisão da Receita Federal de zerar o imposto de importação.
O senhor já declarou que esperava que essa situação fosse resolvida até o final de 2023. Resolveu?
Eu e todo o varejo esperávamos. Mas, não, não se resolveu. Estamos absolutamente incomodados com essa situação. É uma situação, sobretudo de justiça.
Que tipo de problema isso está causando para o setor?
Você perde crescimento. Você paga todos os impostos e o consumidor tem uma percepção de que você é que é o ladrão. Porque, se você paga, naturalmente o preço é outro porque tem todos os impostos sendo cumpridos ali. E você é comparado com uma empresa que não construiu praticamente nada de imposto, que já tem o apoio no país de origem. A China apoia esse tipo de empresa que faz a exportação. E chega aqui encontra um país que acolhe, sem ter nenhum tipo de justiça tributária. Conclusão: o emprego está sendo gerado na China. O imposto, se houver algum, é gerado na China e o Brasil está exportando renda. O pouco de renda ainda disponível que tem no Brasil vai sendo exportado. Foram cerca de 60 bilhões de reais em 2022. Em 2023, teve uma pequena redução para cerca de 50 bilhões. A gente está fazendo uma renúncia tributária da ordem de 30 bilhões de reais, em um governo que está preocupado em arrecadar mais. É simplesmente inexplicável. Esse é um dos aspectos. Outro aspecto tão ou mais importante é a absoluta falta de regulação técnica. Ou seja, Procon, Inmetro, Vigilância Sanitária, nada disso está no radar dessas empresas que estão vendendo para os brasileiros. Se um consumidor aqui dentro do país compra de uma empresa brasileira, tem vários órgãos que cuidam da saúde e protegem o consumidor. Quando essa venda é feita pelo sistema de Cross Border, não tem nenhum órgão olhando para isso. Então o consumidor pode esperar o quê? Uma criança morrer para falar que não tem ninguém olhando isso? Se produz ou importa um brinquedo no Brasil, como um varejista formal, você tem que prestar conta ao Inmetro. Se isso não for importante, porque não é tão grave assim, a empresa nacional não deveria estar submetida a esse sistema. Só que é importante, porque no passado já morreram pessoas com tinta tóxica, com rodinha que solta e vai parar na garganta de uma criança. Então, se isso é de fato importante, como acredito que seja, então por que quem está do lado de fora do país pode vender sem passar por nenhuma consideração técnica? Com certeza são perguntas que ficam sem resposta.
O senhor é integrante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o Conselhão. Isso já foi levado ao governo? Qual foi o retorno que vocês receberam?
Já levei isso tanto para o ministro (da Fazenda, Fernando) Haddad e ao presidente Lula. Sobre a receptividade, eu procuro analisá-la a partir das atitudes pragmáticas, e até agora não vi nenhuma consideração sobre brecar esse movimento. Eu vi uma concordância que isso é um absurdo, mas não vi até o momento nenhuma ação concreta. Então, continuo colocando esse ponto de atenção que eu acho que é mais grave do que o problema do imposto. É claro que a questão do imposto fere as empresas, fere os empregos. Agora, quando a gente está falando da vida, eu acho que o tempo para resolver essas coisas tinha que ser outro.