“O legado da Lava Jato é muito negativo”, diz novo presidente da OAB
Eleito para um mandato de três anos, Beto Simonetti diz que direitos dos advogados foram atropelados e critica o mau uso das delações premiadas
O criminalista José Alberto Simonetti é o novo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil para um mandato de três anos. A posse será nesta terça, 1, em Brasília. O novo dirigente foi candidato único com o apoio de 26 seccionais da entidade.
À frente da OAB, Beto Simonetti, como é conhecido, deverá dar ao comando da entidade um perfil diferente do imprimido por Santa Cruz, seu antecessor que protagonizou embates públicos com o presidente Jair Bolsonaro (PL).
Muito embora venha sinalizando que sua gestão deverá priorizar as questões mais práticas do trabalho dos advogados, ele afirma que a Ordem irá trabalhar ao lado do TSE para defender o modelo eleitoral e ajudar no combate as fake news — “um câncer da democracia”, como define.
Segundo conta, a discussão sobre o impeachment de Bolsonaro foi rejeitada pela Ordem por falta de elementos que a justificassem. Ele também não vê espaço para uma ruptura institucional. “A democracia brasileira é sólida e a Ordem sempre estará vigilante”.
Crítico da operação Lava Jato, o novo presidente ainda defendeu ainda a Lei de Abuso de Autoridade, da qual participou ativamente para a sua aprovação no Congresso Nacional. Simonetti garante que norma traz segurança a todos — inclusive juízes e investigadores. “Só alguém predisposto a se utilizar do arbítrio deve temer a lei”, afirma.
Confira os principais trechos da entrevista:
A ausência do presidente Jair Bolsonaro para depor no inquérito que investiga o suposto vazamento de dados sobre a urna eletrônica não afrontou uma decisão do ministro Alexandre de Moraes? Eu não vejo a ausência como um ferimento da norma penal. Todo investigado tem o garantia da não autoincriminação. Ele ou qualquer pessoa pode calar-se, pode também abrir mão do depoimento no inquérito e se utilizar disso em prol de sua defesa. O magistrado tem que compreender que esse é um ato que está à disposição do próprio investigado. A lei é igual para todos e ela se aplica não só ao presidente da República como a qualquer cidadão comum.
Havia uma expectativa para que a OAB endossasse um pedido de impeachment contra Bolsonaro. Por que não foi levado adiante? A discussão sobre a deflagração ou não de um processo de impeachment foi rechaçada pela unanimidade do Conselho Federal. Nós só podemos caminhar com um pedido de impeachment se tivermos a coleta de todas as provas necessárias e, naquele momento, nós não tínhamos. Por isso o resultado foi esse.
As informações levantadas pela CPI da Pandemia não são provas? A CPI ainda não tinha concluído os seus trabalhos e isso não chegou a passar pelo Conselho Federal.
O senhor acha que o Brasil esteve ou está sob risco de uma ruptura institucional, como aconteceu no 7 de setembro? Qual deve ser o papel da OAB? Confiando na solidez da democracia brasileira, eu não acredito em rupturas. Eu acredito, sim, é no diálogo e no respeito à independência dos poderes. A OAB sempre estará atenta e vigilante, inclusive para a interlocução entre estes poderes, se assim lhe for permitido. A Ordem nunca se furtará a prestar seu compromisso constitucional. Sempre que o estado democrático de direito estiver em risco, a OAB vai se colocar e não precisa de convite de ninguém.
Como o senhor recebe as declarações do presidente Bolsonaro, que, ao se referir ao ministro Nunes Marques, disse que tem 10% dele dentro do Supremo? Eu não sei qual é o sentimento do presidente quando fala isso. O que eu posso lhe garantir é que o STF tem onze entidades que chegam ali com uma responsabilidade posta a prova numa vitrine para o Brasil. Confio nas decisões desses ministros. Quem atende a Constituição Federal tende a não errar e acredito na independência de cada um deles.
A abertura do inquérito das fake news com base no regimento interno do PGR, sem provocação da PGR, foi um excesso? O Supremo tem obrigação de manter o equilíbrio da democracia e tem como princípio de sua fundação o controle da manutenção do Estado Democrático de Direito. As fake news são algo repugnante aos olhos da Ordem. Nós pretendemos acompanhar de perto essa questão, sobretudo nas eleições. Eu vejo como um câncer da democracia porque ela ludibria a vontade do eleitor. Estaremos junto ao TSE, apoiando esse modelo eleitoral que nós temos hoje no Brasil que já se mostrou eficaz.
Qual opção funciona melhor para se coibir as fake news? Educação ou punições mais rigorosas? Uma coisa não anula a outra e a conjunção dessas alternativas pode resultar num controle preventivo para diminuir ou estancar essa grande produção de fake news que há no Brasil. A educação é necessária, mas acho que quem faz isso tem que encontrar uma reprimenda da Justiça, com uma pena pedagógica.
As leis do Brasil são suficientes para isso? Infelizmente nós temos muito a avançar porque as fake news são um fenômeno que cresceu de forma descontrolada entre um pleito e outro. Temos que ter mecanismos para identificar a origem, já que muitas vezes não estão aportadas no Brasil.
Aplicativos como o Telegram, que não tem representação no Brasil, devem ser proibidos nas eleições? Em princípio, falando não só do Telegram ou de qualquer outro aplicativo, deve assumir a culpa quem propaga as fake news.
Há limite para liberdade de expressão? Eu sou um defensor ativo da liberdade de expressão, mas, é claro, há uma linha divisória entre esse direito e o cometimento de um crime. Os excessos devem ser apurados para que se defina se há um crime ou se o cidadão apenas exerceu seu direito. O Código Penal carrega tipos penais muito bem definidos. Se alguém materializa alguma daquelas condutas é, óbvio que vai responder por um crime.
Agora que a Lava Jato foi encerrada, é possível dizer qual é seu legado? Graças a Deus a Lava Jato foi desmobilizada. Eu não critico o combate à corrupção, que é uma das pautas da Ordem, o legado da operação é muito negativo pela forma como foi conduzida. Houve severas violações aos direitos dos advogados. O instituto da delação premiada foi muito mal utilizado. Argumentam que houve uma recuperação de ativos na casa de 20 bilhões de reais, mas o prejuízo foi muito maior com a quebra de empresas tradicionais do Brasil. Muitos postos de trabalho foram perdidos. Hoje temos 14% de desemprego. Não posso reputar 100% dessa culpa à Lava Jato, mas eu tenho absoluta certeza de que forma como ela foi conduzida contribuiu para isso.
O Supremo não demorou a responder a isso? Eu não acho que o Supremo tenha demorado, mas talvez isso tudo tenha demorado a chegar ao Supremo. Ele deu a resposta correta ao reconhecer que ali havia muitas irregularidades.
O fato de o Lula ter tido os processos anulados sem análise de mérito permite concluir que ele era inocente? Eu não conheço as provas que foram carreadas ao processo do ex-presidente Lula nem quero entrar no mérito de sua inocência. Mas se o Supremo identificou que ali havia nulidades, acertou se anulou provas inválidas.
A candidatura do ex-juiz Sergio Moro representa algum conflito ético ou constrangimento à Lava Jato? Esse é um sentimento que quem tem que carregar é o ex-juiz Sergio Moro. A Ordem não tem preferência por candidatos. O que nós queremos é ter diálogo, independentemente de que seja eleito.
Há espaço para mudança na regra da prisão em segunda instância? A Constituição diz que ninguém será privado de sua liberdade sem o devido processo legal e isso prescinde da presunção de inocência. Se nossa legislação vigente prevê que alguém só será encarcerado após uma decisão transitada em julgado é isso que tem que ser respeitado. Se há interesse me mudar isso, a competência é do Legislativo. Não dá para mudar a lei por meio de decisões judiciais.
Mas isso ficar na dependência dos humores do Supremo não cria insegurança? Eu que eu não quero nem imaginar que algo tão sério quanto isso possa depender do humor de alguém. Isso tem que depender do bom senso da corte. Nós temos uma lei vigente. Esse dispositivo não foi revogado. Ou declaram inconstitucional ou o Congresso tem que alterar — se quiserem fazer isso, não estou dizendo que tem que ser feito.
A Lei de Abuso de Autoridade não cria insegurança para investigadores e juízes? Quem não abusa de autoridade, não comete arbítrios e não violenta prerrogativas não pode temer a uma lei que que protege o cidadão. A lei cria segurança para todos e ela também deixa claro que e eventual divergência na interpretação de lei não configura abuso de autoridade.