Em menos de dois meses de campanha eleitoral, o furacão Pablo Marçal (PRTB) provocou destruição por onde passou. O candidato outsider não apenas chegou em terceiro lugar na disputa pela maior capital do país — ultrapassando candidatos de partidos tradicionais como PSB e PSDB — como foi também responsável por uma considerável cisão na direita brasileira. E não foi apenas no meio político que o empresário semeou a discórdia. O efeito Marçal caiu como uma bomba no mundo evangélico.
O desconforto foi exposto com todas as letras pelo pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, um dos principais aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro e inegavelmente um dos porta-vozes do eleitorado evangélico. Foi ele quem financiou ao menos três atos — dois na Avenida Paulista e um em Copacabana — em defesa do capitão e contra o inimigo “número um” da direita, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, e a favor da anistia aos presos do 8 de Janeiro.
Mas tudo sofreu um solavanco com a chegada de Marçal ao universo político da direita, com todos os ingredientes para construir um “Bolsonaro 2.0” (jovem, bem-sucedido, carismático, antipolítico de fato, de direita e, claro, cristão), incrementados pelo atraente discurso da ascensão social, que em muito se assemelha ao da teologia da prosperidade, tão em voga em algumas vertentes pentecostais.
Na última terça-feira, 8, Malafaia botou a boca no trombone e, em entrevista à colunista Monica Bergamo, do jornal Folha de S.Paulo, disparou petardos, até contra Bolsonaro, e cobrou a omissão de nomes do mundo evangélico, que não combateram Marçal por medo de represália das redes sociais. Listou as suas principais decepções, para além de Bolsonaro: o senador Magno Malta (PL-ES) e os deputados federais Marco Feliciano (PL-SP) — ambos pastores — e o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), todos evangélicos.
Sobre Marçal, Malafaia disse. “Qual é a história dele no mundo evangélico? Vou te dizer: desmerecer a igreja evangélica, desmerecer doutrinas fundamentais da Bíblia e aquilo que nós, pastores, pregamos e que é a base da crença evangélica”, disse na entrevista. “É um cara psicopata, mentiroso e que usa técnicas de manipulação. Tem uma inteligência e um carisma fora da curva, que é a marca dos psicopatas”, disse. E emendou: “Ele vem com pinta de evangélico. Conhece a linguagem evangélica, que Bolsonaro não conhece. É um tremendo de um manipulador de alto grau. E sabe usar as redes sociais como ninguém. (…) Vai dividir a direita, vai levar metade do voto evangélico”.
Vídeo aos “irmãos evangélicos”
Não contente, Malafaia, nesse mesmo dia, gravou um vídeo dirigido especialmente aos “irmãos evangélicos”, em que expõe todo o racha provocado por Marçal nessa vertente religiosa. Citando versículos bíblicos, o pastor listou a “falta de conhecimento” e a “ignorância” como maiores malefícios ao ser humano. “A ignorância não dá só poder ao diabo, dá poder a homens maus, perversos. Estou de boca aberta de ver o que está acontecendo com o povo de Deus hoje. O povo de Deus está agindo por paixão”, disse.
Depois, foi mais claro, ao dizer que estava se referindo aos crentes que apoiam Marçal. “O povo de Deus, que tem discernimento espiritual e a palavra de Deus, votando por paixão? Estou assustado. O povo de Deus relativizando pecado? O cara (Marçal) forja um documento, falsidade ideológica. Artigo 299 do Código Penal. Um a cinco anos de cadeia”, afirma.
Em seguida, critica quem relativiza a fraude cometida por Marçal na divulgação de um laudo falso que aponta o uso de cocaína pelo candidato Guilherme Boulos (PSOL). “Que conversa é essa? Alguém que se diz cristão, que se diz do povo de Deus, pode mentir, enganar numa eleição? Seja Bolsonaro, seja qualquer um, Pablo Marçal, Lula. Que povo de Deus somos nós e que discernimento espiritual nós temos? Nós não concordamos com calúnia, com difamação, muito menos com falsidade ideológica. Quer dizer, então, porque alguém se diz evangélico e cristão, a gente passa a mão na cabeça dele? Pode mentir, pode caluniar, pode arrumar documento falso que não tem problema? Que caráter cristão é o nosso?”, questiona.
E, por fim, diz que os seus seguidores têm que ser “mais severos com aqueles que dizem ser evangélicos e cristãos do que com o ímpio”. “O povo de Deus ser dirigido por redes sociais? Por fraudadores e homens ímpios, e não pela palavra de Deus e pelo Espírito Santo? Que povo de Deus somos nós? Eu fui levantado como uma voz profética. Eu não ganhei nem perdi nada nessa eleição. Eu não fui levantado para falar o que você quer ouvir, mas o que você precisa ouvir, a verdade. Não é possível. Povo de Deus não é guiado por homens, é guiado pelo Espírito Santo, pela palavra, e não pela paixão”, completou.