Em sua estreia no país, o autor best-seller canadense Jordan Peterson realizou na última terça-feira, 18, em São Paulo, a primeira das palestras da turnê We Who Wrestle with God (“Nós Que Lutamos com Deus”, em tradução livre) — em solo brasileiro. A apresentação faz parte de uma série de conferências realizadas em todo o mundo para o lançamento de seu próximo livro, de mesmo nome, previsto para novembro. A segunda palestra no Brasil acontece nesta quinta-feira, 20, em Porto Alegre.
Na capital paulista, mais de 4.000 pessoas lotaram o Espaço Unimed para ouvir as análises do polêmico escritor, psicólogo e ex-professor da Universidade de Toronto sobre relatos bíblicos a respeito de sacrifício, disciplina e sofrimento — temas centrais de sua nova obra que, segundo Peterson, funcionam como elementos imprescindíveis para uma vida em sociedade moderna. Mitos como os de Adão e Eva e de Caim e Abel, duas das principais histórias do Velho Testamento da Bíblia, estiveram entre as alegorias trazidas pelo pensador para provocar o público sobre obediência, consciência, autorresponsabilidade e uma reflexão epistemológica acerca da “aventura que é dizer a verdade”.
A abertura do evento foi conduzida pelo colunista de VEJA e cientista político Fernando Schüler. “Sem diversidade de ideias, o mundo da cultura perde o seu sentido”, sintetizou. Schüler é curador do Fronteiras do Pensamento — projeto que é um dos organizadores do evento, com apoio da Brasil Paralelo.
Jordan Peterson, que classifica-se politicamente como um “liberal clássico”, é por vezes definido simplificadamente como um “conservador” — pecha que, pessoalmente, rejeita, mas que encontra certa correspondência em boa parte de seu público. Frequentemente citado por nomes da direita brasileira, como o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o psicólogo arrastou diversos políticos do espectro “conservador” a sua palestra. Entre os presentes, estavam os também deputados Bia Kicis (PL-DF), Nikolas Ferreira (PL-MG) e Paulo Bilynskyj (PL-SP), além do pré-candidato à Prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal (PRTB).
A exposição de quase duas horas de duração foi marcada por fenômenos surpreendentes — nas palavras do próprio palestrante — nos dias atuais: um público atento e longe dos celulares. O silêncio foi interrompido ao menos duas vezes por aplausos efusivos da plateia: quando Peterson comparou o marxismo com o espírito “patológico” de Caim que, travestido para tempos modernos, culminou na “catástrofe” do totalitarismo comunista, e quando o psicólogo compartilhou que sua esposa, Tammy Peterson, convertera-se recentemente ao catolicismo.
‘Cancelamento’ e ideologia de gênero
Até setembro de 2016, Jordan Peterson era um discreto professor de psicologia clínica na Universidade de Toronto, que mantinha um canal no YouTube popular entre os alunos e tinha escrito um livro pouco conhecido sobre a relação entre psicologia, política e religião. A aprovação da Lei C-16, no Canadá, que tornou crime a discriminação contra transexuais, travestis e “pessoas não binárias” (as que não se identificam nem como homem, nem como mulher), acabou com a calmaria e fez de Peterson uma espécie de popstar.
Enfurecido com o fato de poder ser processado se deixasse de usar os chamados pronomes neutros — ze em vez de he ou she, equivalente ao “elx”, popularizado na internet, para ele ou ela em português –, Peterson pôs a boca no trombone contra o que via como excessos da lei. Um debate sobre o tema na TV inglesa com sua participação foi visto milhões de vezes no YouTube. Alçado a porta-voz do “politicamente incorreto”, viu seu segundo livro, 12 Regras Para a Vida: Um Antídoto Para o Caos (Editora Alta Books) em oito meses virar best-seller.