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Jordan Peterson: A liberdade de expressão é perigosa; a alternativa é pior

Psicólogo canadense alçado ao estrelato graças à guerra contra o politicamente correto fala à VEJA sobre os direitos transgênero, feminismo e Jair Bolsonaro

Por Maria Clara Vieira
Atualizado em 3 jan 2019, 16h50 - Publicado em 3 jan 2019, 16h00

Até setembro de 2016, o canadense Jordan Peterson era um pacato professor de psicologia clínica na Universidade de Toronto, que mantinha um canal no YouTube popular entre os alunos e tinha escrito um livro pouco conhecido sobre a relação entre psicologia, política e religião. A aprovação da Lei C-16, no Canadá, que tornou crime a discriminação contra transexuais, travestis e “pessoas não binárias” (as que não se identificam nem como homem, nem como mulher), acabou com a calmaria e fez de Peterson uma espécie de popstar. Enfurecido com o fato de poder ser processado se deixasse de usar os chamados pronomes neutros – ze em vez de he ou she, equivalente ao “elx”, popularizado na internet, para ele ou ela em português —, Peterson pôs a boca no trombone contra o que via como excessos da lei. Um debate sobre o tema na TV inglesa com sua participação foi visto mais de 13 milhões de vezes no YouTube. Alçado a porta-voz do politicamente incorreto, viu seu segundo livro, 12 Regras Para a Vida: Um Antídoto Para o Caos (Editora Alta Books) em oito meses virar bestseller, com mais de 2 milhões de cópias vendidas no mundo (e quase 75.000 exemplares no Brasil). De Oslo, escala da turnê de divulgação do livro, Peterson falou a VEJA por telefone.

O senhor ganhou projeção internacional ao se opor à lei que regulamenta o uso de pronomes neutros para transgêneros. Qual é o problema com a lei? A maioria dos que a apoiam afirmam que, na construção da identidade humana, o sexo biológico, a expressão do gênero e as preferências sexuais de uma pessoa podem variar de modo completamente independente, pois são meras construções sociais. Isso não é verdade. Estes fatores não apenas não variam de forma independente, como estão intimamente relacionados. É claro que, em algum grau, são construções sociais, mas menos do que os ativistas alardeiam. Não gostei de ver aprovada uma lei baseada em uma premissa tecnicamente falsa só para cumprir uma agenda ideológica, sem reflexão a respeito e sem consideração pelas consequências – a começar pela restrição da liberdade de expressão.

A lei não é uma forma de garantir os direitos dos transgêneros? Garantir estes direitos não tem nada a ver com a forma como são chamados. Esta é uma escolha voluntaria. Eu não tenho nada contra usar com meus alunos o pronome que eles preferirem. Mas o governo decidir como a pessoa vai se expressar só para agradar uma parcela da sociedade é errado. Não se pode colocar limites na forma de expressão. Recebo muitas cartas de pessoas transexuais que apoiam meu trabalho, se incomodam com o papel de símbolo de uma campanha da esquerda ultrarradical pela dissolução das identidades clássicas e querem mesmo é tocar sua vida privada da melhor forma possível.

Não seria saudável e até justo proteger a população LGBT de discursos nocivos? De jeito nenhum. É precisamente o oposto. A conduta correta para lidar com a vulnerabilidade é identificar a razão, criar uma hierarquia de medos e aprender a confronta-los e dominá-los. Proteger é uma abordagem errada. A história da psicologia clínica nos últimos 150 anos comprova que a exposição voluntária da pessoa ao que a ameaça ou incomoda é o caminho certo para ganhar coragem e superar problemas. A ideia de que proteger as pessoas é agasalhá-las em seus micro-espaços, para que nunca ouçam uma opinião que as ofenda ou contradiga, só faz com que elas se tornem mais fracas e amargas.

O senhor já declarou que a capacidade de pensar embute o risco de ser ofensivo. É impossível debater sem ofender? É claro que você deve procurar ser sempre o mais gentil possível. A questão é que só precisamos pensar de verdade quando aparece um problema de solução importante, até de vida ou morte. Se a solução é tão importante, haverá várias formas de discuti-la, nem sempre compatíveis entre si – e aí começa o debate conflituoso. Os pontos de vista sempre vão colidir quando o que está em jogo é tentar mudar a maneira de a outra pessoa ver o mundo. É impossível ter esta discussão sem conflito, mesmo procurando ser o mais gentil possível.

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Frases do novo presidente do Brasil sobre minorias motivaram o desejo por restrições ao “politicamente incorreto”. Qual a sua visão a respeito? Ninguém em sã consciência acha que a liberdade de expressão não é perigosa, mas a alternativa é mais ainda. O princípio soberano no Ocidente – pelo menos nos países onde vale a pena viver – é que quanto menos restrição, melhor. As que existem são perfeitamente razoáveis: não incitar ao crime, não caluniar ou difamar. Não conheço bem a situação política do Brasil, mas vocês precisam decidir, enquanto nação, se querem saber o que as pessoas pensam ouvindo o que elas dizem ou se preferem que elas joguem suas opiniões para debaixo do tapete e ajam na surdina.

Não conheço bem a situação política do Brasil, mas vocês precisam decidir, enquanto nação, se querem saber o que as pessoas pensam ouvindo o que elas dizem ou se preferem que elas joguem suas opiniões para debaixo do tapete e ajam na surdina.

Jordan Peterson

O senhor afirmou que vivemos uma “crise da masculinidade” e que para resolvê-la é preciso permitir que meninos sejam agressivos. Como assim? Quem cisma com isso são os críticos do meu trabalho. Eu mesmo quase não menciono a tal crise da masculinidade. Mas, de fato, percebo que os jovens estão menos aptos a tomar parte na sociedade como indivíduos responsáveis e maduros, por diversos fatores. O principal é a insistência dos radicais de esquerda – particularmente das feministas – em definir a cultura em que vivemos como um sistema patriarcal tirânico, o que é um absurdo total. Uma coisa é estar atento a eventuais arroubos de autoritarismo; outra é dizer que toda a sociedade se baseia na dominação do homem e está centrada em poder e corrupção. Quem aceita esta versão – amplamente propagada na educação de meninos e rapazes – vê qualquer sinal de ambição, competência ou competitividade masculina como tirania e pune quem manifesta estas características – um desastre a médio e longo prazo. Precisamos encorajar os jovens a assumir responsabilidade e, neste processo, o certo é permitir e incentivar riscos. Os meninos precisam descobrir sozinhos como regular seus impulsos. Na minha opinião, a extrema esquerda, neste ponto, é movida por um ódio atávico à competência. Ela detesta quem é competente.

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As mulheres estão abaixo dos homens na hierarquia social? Nos níveis mais altos e estritamente operacionais da hierarquia há, sim, uma quantidade desproporcional de homens. Assim como há uma quantidade desproporcional de homens nos níveis mais baixos. As posições hierárquicas masculinas tendem a ser extremas, mas isso não se reflete na grande maioria tanto de homens, quanto de mulheres. Também é fato que as mulheres tendem a escolher parceiros que estejam acima ou no mesmo nível que elas na hierarquia social, um fenômeno bem documentado em todas as culturas já estudadas pela psicologia social, e há razões biológicas por trás disso. As mulheres se colocam em uma posição vulnerável quando têm filhos e o baque econômico é grande. Faz sentido que elas se aliem a um parceiro competitivo e não há nada de errado nisso. É uma reação biológica a uma situação existente.

Uma das doze regras de seu livro é “assuma que a pessoa com quem você está conversando sabe algo que você não sabe”. Esta postura não está em falta nos conservadores, quando dialogam com as minorias? Sim. Ela está em falta em ambos os lados do espectro político. Mas, no momento, falta muito mais na esquerda-radical. As minorias tiveram avanços consideráveis em velocidade sem paralelo nos últimos cinquenta anos. Nos Estados Unidos, a vasta maioria da população apoia o casamento gay. Não há falta de solidariedade para com os desejos legítimos das minorias.

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