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Por José Benedito da Silva
A política e seus bastidores. Com Laísa Dall'Agnol, Victoria Bechara, Bruno Caniato, Valmar Hupsel Filho, Isabella Alonso Panho e Adriana Ferraz. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
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“Ganhamos 720 000 numa rodada”, diz delator da “máfia das apostas”

Em entrevista exclusiva a VEJA, Bruno Lopez conta detalhes do esquema e nega ter sido líder do grupo responsável pela manipulação de resultados

Por Sérgio Quintella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 10 Maio 2024, 08h20 - Publicado em 26 out 2023, 11h34

Eram 6h do dia 14 de fevereiro quando uma dezena de policiais rompeu a porta de uma residência térrea na zona leste de São Paulo. Assim que eles deram voz de prisão ao ex-jogador de futsal Bruno Lopez de Moura, de 29 anos, seu filho, de apenas 5, acordou assustado. Sem tempo para explicar, BL, como é conhecido, disse para a criança que iria viajar.

De volta para casa cinco dias depois, tempo que durou sua detenção temporária, Moura precisou “viajar” novamente em abril. Desta vez, a estada durou quatro meses, período em que passou por três cadeias diferentes e não teve contato com a criança. “Até hoje, quando o meu filho acorda, ele pergunta se o papai está dormindo ou se vai viajar de novo”, diz Bruno, apontado pelo Ministério Público de Goiás como o líder de uma quadrilha que corrompia jogadores de futebol e manipulava resultados de jogos das séries A e B do Brasileirão, além de alguns campeonatos estaduais, para faturar em apostas esportivas. Ele nega ser o chefe do grupo.

O esquema ficou conhecido como “máfia das apostas” e levou, além de Bruno Lopez, que está solto desde agosto, outras duas pessoas para cadeia: o empresário Thiago Chambó e o ex-jogador Romário Hugo dos Santos, o Romarinho. Ambos continuam presos. Além do trio, mais de vinte jogadores envolvidos no escândalo foram denunciados no âmbito criminal pelo MP goiano, em três operações conhecidas como Penalidade Máxima, e dez atletas acabaram punidos, na esfera administrativa, pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), com penas que variam de suspensão ao banimento do esporte. Entre eles estão Eduardo Bauermann, que jogava no Santos. As conversas de Bauermann com o grupo foram reveladas por VEJA em maio deste ano. Leia a reportagem aqui.

O caso foi parar em Goiás porque o primeiro time a descobrir as fraudes foi o Vila Nova, que disputa a Série B. Em novembro de 2022, o presidente do clube, Hugo Jorge Bravo, foi acionado por Bruno devido a uma dívida do jogador Marcos Vinícius Barreira, conhecido como Romário (não confundir com Romarinho, que está preso). “O Bruno me ligou e disse que teria organizado com Romário e atletas de outros dois clubes uma combinação de resultados que favorecesse uma aposta específica. A combinação seria o cometimento de pênaltis no primeiro tempo de três jogos (Sampaio Corrêa x Londrina, Tombense x Criciúma e Vila Nova x Sport)”, afirmou Hugo aos promotores. Como Romário não foi escalado, a combinação de situações não ocorreu, ocasionando prejuízo ao grupo.

Para conseguir sair da cadeia, Bruno Lopez precisou entregar mais do que seus aparelhos desbloqueados mostraram aos investigadores. “Confirmei os crimes e assumi meus erros. Toda a verdade já estava no meu celular, mas eu precisava confirmar tudo o que já tinha lá, além de mostrar para todo mundo que eu não era o líder coisa nenhuma”, afirma Bruno, em entrevista concedida a VEJA na última sexta-feira, 20.

Confira os principais trechos:

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O começo do esquema

“O Thiago Chambó já fazia apostas quando fui apresentado a ele, em junho ou julho do ano passado. Tivemos a primeira reunião e ele falou que tinha alguns jogadores , mas que precisava de outros atletas, pois somente os dele não podiam ser utilizados todo final de semana. Ele já estava no ramo fazia algum tempo. Na primeira reunião, realizada em um restaurante de Alphaville (Barueri-SP), ele citou nomes de atletas com os quais ele trabalhava. Ele citou jogadores famosos, como um do São Paulo e outro que tinha jogado muitos anos pelo Corinthians, mas eu não sei se foi da boca para fora, para se gabar, ou se realmente eles estavam envolvidos.”

Liderança

“Os investigadores viram que o Thiago era o cabeça e o Bruno era o intermediador. Agora vão colocar os ‘pingos nos is’. Eu trazia jogadores e ele fazia acontecer. Eu não era o cabeça. Para mim o chefe é quem organiza, paga, financia e faz a coisa andar. O Thiago desde o início passou a forma dele de trabalhar. Eu não podia passar para ninguém as informações dos jogos. Ele falava para eu fazer apenas a minha função, que era para trazer jogadores.”

O primeiro jogo

“Recebemos um golpe, pois um parceiro informou que tinha um jogador do Atlético Goianiense para fazer o esquema, mas era mentira. Ele pegou o dinheiro da entrada, mas o atleta não estava nem sabendo das apostas. Acabamos no prejuízo e fiquei com 100.000 reais em débito com o Thiago. Não tinha como pagar, mas falei que arrumaria outros atletas para cobrir o buraco. Fui atrás de outros amigos e conseguimos fazer a primeira aposta que deu certo. Foi o start e ganhamos 720.000 reais.” (nota da redação: na rodada citada pelo delator, foram utilizados cinco atletas, de quatro times — Vitor Mendes, do Juventude, Alef Manga, do Curitiba, Diego Porfirio, também do Curitiba, Bryan Garcia, do  Athletico-PR e Nino Paraiba, do Ceará).

A operação

“O Thiago tinha as contas nas casas e usava um robô para fazer as apostas. É um sistema que ele disse ter comprado em Dubai e que era operado por um rapaz de apelido “Nerd” [seu nome é Pedro Rimes da Silva]. O Nerd pegava um grupo de quatro atletas e fazia trinta, quarenta apostas múltiplas e simultâneas. Para não atrapalhar a jogada do robô, o Thiago pedia para ninguém fazer apostas manuais, sob risco de inviabilizar o esquema. Uma vez eu fui tentar fazer uma dessas apostas manualmente e o sistema limitou. Só aí fui entender como o sistema funcionava.”

Desconfianças

“O Thiago me passava somente os resultados e os valores. Se ele dissesse que rendeu 70.000 reais, por exemplo, quem garante que não poderia ser mais? Eu não tinha acesso ao recebimento. Foi por isso que tentei fazer as apostas por fora, com outra pessoa, o Romarinho. Com ele seria mais fácil de receber, mas o esquema não deu certo.”

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Pagamentos parcelados

“O Thiago fazia os pagamentos picados, de 20.000 reais, 30.000 reais por dia. Eram saques de várias contas das casas de apostas, mas eu não tinha acesso. Os sinais para os jogadores variavam de 5.000 a 10.000 reais. As ofertas totais eram de 50.000 reais, 60.000 reais. Mas o problema é que os pagamentos demoravam muito. E quando as apostas davam errado ele não pagava. E quem era cobrado era eu. Em uma ocasião, devido à demora, o Thiago me pagou com um carro que ele possuía, uma Land Rover.”

Há outros apostadores que corrompem jogadores?

“Esse mundo é muito amplo. Eu não fui o único. Outras pessoas me procuraram, incluindo de outro país. Tem muita gente fazendo. Mesmo quando eu estava jogando no Brasil, recebi propostas para fazer isso. Isso nunca parou.”

Polícia em casa

“Na primeira vez acordei com a polícia dentro do meu quarto. Foram quinze policiais arrombando a porta. Na segunda vez foi mais tranquilo, foram só quatro policiais. Dei tchau para o meu filho e disse que eu ia viajar de novo. Mas no fundo eu imagino que ele sabe, pois é muito inteligente. Até hoje ele acorda e vai logo ver se eu estou dormindo ou se fui ‘viajar’.”

As prisões

“Foi um baque, mas na primeira vez não fui para nenhum presídio. Fiquei no Deic, na zona norte, por cinco dias e voltei para casa. Na segunda vez eu passei por três cadeias. A primeira foi em Pinheiros. Lá é bem precário. São doze camas e 38 presos em cada cela. É rato passando, comida com vidro dentro. Não dá nem para comer. Vivi lá de banana e água. De lá me transferiram para Mauá, mas quando o diretor viu que meu caso ficou famoso, me mandou para Guarulhos.”

Bruno Bet

“Em Guarulhos cheguei com fama. Todo mundo sabia quem eu era. Me chamavam de Bruno Bet. No raio [ala] em que eu estava, havia 120 presos para oito celas. Não tinha cama para todo mundo, dormi um mês no chão. Depois passei para a cama, em um sistema rotativo que eles chamam de catraca. O preso vai embora e quem está na frente da fila vai para a cama.”

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Saudades do filho

“Eu não sabia quanto tempo ficaria preso, e minha esposa falou desde o início para a gente esperar um pouco para levar meu filho. Depois da audiência de homologação do acordo, o Ministério Público foi favorável à minha liberdade e saí depois de quinze dias. Eu cheguei a ver filhos de outros presos lá, mas é muito triste, principalmente na hora de ir embora. Seria um baque muito grande para todos nós.”

Recomeço

“Se não tivesse acontecido nada, eu teria voltado para a Alemanha em julho deste ano. Sei que lá tenho porta aberta. Gostaria de dar qualidade de vida e segurança para o meu filho. Depois da delação, tenho medo do que possa acontecer com a minha família. Mas agora meu passaporte está apreendido e eu não tenho como ir. Se eu não conseguir retornar para lá, tentarei voltar para o futsal aqui mesmo.”

Bicos

“Tenho jogado em times de várzea e de futsal na zona leste e no ABC. Para cada jogo eu cobro 150 reais pela participação. Tem dia que faço três partidas. Só não cobro para jogar no time do meu sogro, que fica na região onde eu moro”.

Procurado, o advogado de Thiago Chambó, William Albuquerque de Sousa Faria, não quis se pronunciar, nem permitiu que seu cliente se manifestasse. Em nota, disse que Chambó é inocente.

“O delator é o único que confessou na Justiça a prática dos crimes e a sua dinâmica nas negociações com jogadores de futebol. O próprio delator afirmou inexistir qualquer reunião entre os denunciados para combinar a organização de tarefas. Meu cliente segue afirmando não ter envolvimento em qualquer esquema de manipulação de resultados de jogos ou compra de jogadores para cometer irregularidades. Não existe delito de receptação de informação privilegiada no mercado de apostas. A figura do crime de informação privilegiada do mercado financeiro também não se aplica ao mercado de apostas esportivas”.

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Além do acusado, William Albuquerque de Sousa Faria advoga para Pedro Rimes da Silva, o “Nerd” (citado por Bruno Lopez como o responsável por operar o robô das apostas), em dois processos (estelionato e formação de quadrilha), ligados a apostas esportivas, em São Paulo. Rimes é acusado de obter recursos de terceiros para realizar as operações e não devolver os lucros obtidos. Os casos não tratam de manipulação de resultados e Faria disse nas ações que seu cliente é inocente.

Sobre Romário Hugo dos Santos, o Romarinho, o Grupo Especial de Repressão aos Delitos Econômicos, do Ministério Público de São Paulo, abriu no fim de agosto um inquérito para apurar a atuação do ex-atleta em outras apostas esportivas. O caso foi remetido pelo MP goiano e está em fase inicial.

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