A sugestão de que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) teria uma “sala escura” ou “secreta”, em que a apuração dos votos seria feita de forma sigilosa, teve de ser rebatida em uma manifestação técnica da Corte nesta semana, mas não é a primeira vez que esse assunto aparece no debate público. Em julho do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro (PL) chegou a dizer que “a apuração dos votos é feita por meia dúzia de pessoas, de forma secreta” em “uma sala lá do TSE”, mas omitiu que o resultado pode ser checado por qualquer cidadão.
A tese da suposta apuração em uma “sala secreta” é baseada em relatos imprecisos, e às vezes mentirosos (que têm o presidente como origem), que circulam sobre o processo de totalização (ou soma) dos votos. Na verdade, a apuração dos votos é feita automaticamente em cada urna eletrônica e as informações são impressas nos chamados boletins de urna.
Uma via do boletim é sempre afixado nos locais de votação logo após o encerramento da votação, e fica disponível para cidadãos, fiscais nomeados por partidos políticos e diversas entidades. A apuração e a divulgação dos resultados da votação local são feitas, pelas regras do TSE, antes do envio dos dados ao tribunal superior – o que ocorre de forma criptografada, em uma rede particular sem conexão com a internet.
No TSE, é feita apenas a totalização dos votos, ou seja, a soma do que já consta em cada boletim de urna produzido nas seções eleitorais do país. O resultado dessa totalização, sim, de fato costuma ficar restrito a um pequeno grupo de técnicos do TSE até que as urnas sejam fechadas em todo o país – o último estado a encerrar a votação é o Acre, normalmente com duas horas de atraso em relação ao horário de Brasília.
Eleição de 2014
Segundo o TSE, em 2014 esse processo chamou mais atenção do público por causa do horário de verão, que entrou em vigor entre o primeiro e o segundo turno daquele ano. Isso fez com que a contagem dos votos em tempo real fosse aberta uma hora mais tarde do que o costume (a Região Norte não aderiu ao horário de verão).
A sala do TSE já foi tema inclusive de uma reportagem do Jornal Nacional, da TV Globo, logo após as eleições de 2014. Naquele ano, eram 23 funcionários com acesso a essa sala, que pelas normas do tribunal tinham de ficar incomunicáveis. O próprio presidente do TSE – em 2014, o ministro Dias Toffoli – e outros ministros da Corte não tiveram acesso à sala antes que todas as urnas tivessem fechado no Acre. A justificativa para o sigilo é que, caso os resultados no restante do país sejam divulgados antes do fechamento das urnas, isso poderia influenciar a votação em alguns locais.
A restrição ao processo de soma dos votos, porém, não significa que a apuração é sigilosa. Pelo contrário: o resultado de cada urna é conferido pelos partidos e está disponível a qualquer cidadão. O resultado das urnas fixado nas seções eleitorais, que sai diretamente da urna, pode ser comparado com os dados que constam na totalização feita no TSE – e se houver qualquer divergência, isso pode ser alvo de denúncia. O TSE diz que, desde a adoção das urnas eletrônicas, nunca houve caso em que o resultado do boletim de urna tenha sido diferente do que foi totalizado no tribunal.
No ofício em que respondeu a comentários do Ministério da Defesa, o TSE também lembra que a soma de votos não é feita apenas na sede da Corte em Brasília. Os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) também fazem a totalização dos votos em cada estado do país. “A possibilidade de realização de totalizações paralelas é uma realidade existente, facilitada e, inclusive, fomentada pela Justiça Eleitoral há muito tempo”, diz o documento do tribunal. “É com esse espírito que a Justiça Eleitoral, a título de exemplo, disponibiliza todos os boletins de urna em seus sítios da Internet, e é pelo mesmo motivo que os dota de QR Codes, permitindo que qualquer instituição proceda a suas próprias totalizações.”
Checagem em tempo real
Nas eleições deste ano, deve ser mais fácil acompanhar a apuração dos votos. O TSE agora tem um aplicativo de celular que permite comparar o resultado do boletim de urna com o que é considerado na totalização feita pelo sistema do TSE. Cada boletim impresso terá um QR Code, que permite a qualquer um ter uma cópia digital do boletim e comparar com os dados da soma divulgada no sistema do TSE. Diferentemente de 2014, a ideia é que o cidadão possa fazer essa checagem em tempo real.