Em um período complicado para o governo, com problemas na economia, uma pandemia ainda em andamento e a popularidade em baixa a menos de um ano da eleição, o presidente Jair Bolsonaro tem procurado cada vez mais se eximir de qualquer responsabilidade. Pressionado pelas várias crises, ele tem adotado a estratégia de dizer, com poucas variações, que “a culpa não é minha’ quando é questionado sobre algum problema.
A inflação é um dos temas que mais fizeram Bolsonaro receber cobranças durante eventos públicos. Desde o ano passado, o presidente culpa as medidas de isolamento social adotadas por governadores e prefeitos para combater o avanço da Covid-19 pela alta nos preços dos alimentos e do gás de cozinha. “Estamos pagando a inflação do fique em casa e a economia a gente vê depois”, disse o presidente no dia 8 de outubro, por exemplo, a apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada.
Em outras oportunidades, o presidente culpou também o aumento do consumo pela inflação. Em uma live, no dia 9 de setembro, ele disse que “o mundo todo passou a consumir mais”. “Além de o mundo crescer em média mais de 60 milhões de habitantes por ano, ele passou a consumir mais. O pessoal ficou mais em casa. Alguns passam fome? Sim, passam fome. Mas a média dos que passaram a comer mais foi bem maior. Se você perguntar em casa, ou olhar para você e lembrar quanto você pesava no passado (antes da pandemia) e pesa agora, na média, todo mundo engordou um pouco mais. É uma realidade”, completou.
Quanto à alta dos preços dos combustíveis, Bolsonaro, mesmo com a disparada do dólar, um dos principais responsáveis pelos aumentos, prefere culpar os governadores e o ICMS, um imposto estadual que não sofreu variação nos últimos anos. Em uma entrevista à Rede Fonte de Comunicação, no dia 30 de agosto, ele afirmou que “o que pesa” no preço da gasolina é o ICMS e que “o grande problema é a ganância” de governadores. “É um crime o que acontece, um assalto explícito em cima do consumidor”, continuou.
A conta de luz também ficou mais cara, mas Bolsonaro considera que a culpa é exclusivamente da crise hídrica — o país vive a maior estiagem de sua história. Mas apesar de o Brasil realmente estar tendo menos chuvas, especialistas apontam que há dois anos essa situação já era esperada e que o governo não se preparou, nem tem proposto medidas mais contundentes para aliviar o problema.
Em uma live no dia 23 de setembro, Bolsonaro chegou a admitir que a crise energética era um “problema sério”, mas limitou-se apenas a fazer apelos à população para economizar energia. “Até faço um pedido para você agora: tem uma luz acesa a mais na sua casa? Por favor, apague. Nós estamos vivendo a maior crise hidrológica dos últimos 90 anos. Se você puder apagar uma luz na sua casa, apague. Se puder desligar seu ar-condicionado. Se não puder, está com 20ºC, passa para 24ºC, gasta menos energia”, pediu.
Absorventes
Ao se defender de uma medida polêmica, o seu veto à distribuição gratuita de absorventes pelo estado para combater a pobreza menstrual, ele disse que foi “obrigado a vetar” por conta das leis que regem o orçamento da União. Segundo ele, o projeto aprovado pelo Congresso não apontava como a iniciativa seria custeada. Na verdade, o texto previa que seria usado o dinheiro destinado ao Sistema Único de Saúde (SUS).
“Quando qualquer projeto cria despesa, o parlamentar sabe que tem que apresentar a fonte de custeio. Quando não apresenta, se eu sanciono, eu estou incluso no artigo 85 da Constituição, crime de responsabilidade”, disse Bolsonaro a apoiadores no dia 8 de outubro. “E a logística para distribuir no Brasil todo? Eu não tenho alternativa, eu sou obrigado a vetar”, completou.
Ataques ao STF
Bolsonaro tentou se isentar até mesmo das críticas pesadas que fez em cima de palanques ao Supremo Tribunal Federal, ao Tribunal Superior Eleitoral e aos seus ministros, em especial a Alexandre de Moraes, durante os atos de 7 de setembro. Dois dias depois, ele atribuiu as declarações ao “calor do momento”, mesmo tendo passado semanas ameaçando o Judiciário e convocando apoiadores a saírem às ruas com esse propósito.
Discurso na ONU
A prática de Bolsonaro de encontrar culpados para problemas apontados em sua gestão não foi adotada agora. Em setembro de 2020, por exemplo, ao discursar na abertura da Assembleia Geral da ONU, quando a questão do aumento das queimadas no país inflamava a opinião pública internacional contra o seu governo, o presidente atribuiu o problema aos índios e aos caboclos da Amazônia.
“Nossa floresta é úmida e não permite a propagação do fogo em seu interior. Os incêndios acontecem praticamente, nos mesmos lugares, no entorno leste da floresta, onde o caboclo e o índio queimam seus roçados em busca de sua sobrevivência, em áreas já desmatadas”, disse.