A ação no STF que pode liberar o uso de maconha – mas não como quer Anitta
Processo discute a revogação de artigo da Lei Antidrogas que proíbe compra, armazenamento e transporte para consumo pessoal, mas está parado desde 2015

Parado há quase sete anos no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), o julgamento da descriminalização do uso de maconha tem sido postergado ao longo das gestões dos ministros Dias Toffoli e Luiz Fux na presidência da Corte. O tema voltou ao debate público após a cantora Anitta pedir o fim da proibição durante uma live e também o apoio do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à causa — pedido que já gerou críticas do presidente Jair Bolsonaro (PL).
O julgamento, que pode permitir o porte de drogas para uso pessoal, tem três votos favoráveis no plenário do tribunal. O relator da ação é o ministro Gilmar Mendes, que em 2015 já se posicionou favoravelmente à descriminalização. Edson Fachin e Luís Roberto Barroso também votaram no mesmo sentido. O julgamento, porém, foi paralisado após um pedido de vistas do ministro Teori Zavascki, em outubro de 2015. O processo ficou em análise no seu gabinete até janeiro de 2017, quando ele morreu em um acidente de avião. Nomeado para a vaga de Zavascki, o ministro Alexandre de Moraes ficou com o processo até novembro de 2018 e então o devolveu ao plenário da Corte. A partir desse momento, a ação ficou liberada para voltar a julgamento pelos onze ministros, mas isso não ocorreu desde então.
Em maio de 2019, o retorno do julgamento chegou a ser pautado novamente para o plenário. O então presidente do STF, Dias Toffoli, no entanto decidiu retirá-lo da pauta cerca de uma semana antes da data. À época, ele havia participado de reuniões com o presidente Jair Bolsonaro e um pacto entre os três poderes foi anunciado para aprovar reformas econômicas. Ao longo de toda a gestão do ministro Luiz Fux, que assumiu o tribunal em setembro de 2020, ele também não deu nenhum sinal de que pautaria o tema.
Qual pode ser a consequência do julgamento?
A ação pede o cancelamento de um artigo da Lei Antidrogas que proíbe a compra, armazenamento e transporte de qualquer droga para consumo pessoal. A lei hoje pune essas situações com prestação de serviços à comunidade, comparecimento a cursos educativos e advertências sobre os efeitos do uso de drogas. A ação foi protocolada pelo Defensor Público-Geral do Estado de São Paulo, que alega que esse dispositivo é inconstitucional, pois fere a privacidade do cidadão, inclusive o direito de colocar em risco a própria saúde de forma consciente.
Em seu voto, Gilmar concordou com a tese da Defensoria e considerou o artigo inconstitucional. Ele também diz que esse entendimento não se restringe apenas ao uso da maconha e pode ser aplicado a outras drogas. Fachin e Barroso concordaram em parte com esse entendimento.
Se a ação for aprovada pela maioria dos ministros do STF, o efeito será a descriminalização do consumo. Barroso, em seu voto, deu alguns parâmetros do que pode diferenciar consumo de tráfico: ele citou as regras em Portugal, que descriminalizou o porte de até 25 gramas de maconha. Os outros ministros não estabeleceram um critério de quantidade para diferenciar as duas situações.
Isso não significa, porém, liberar a venda de drogas, como Anitta se referiu durante a live. A cantora falou em transformar a atividade em “empresa legalizada” e gerar empregos com o que hoje é uma atividade proibida. A ação no STF, porém, pode ter como efeito apenas liberar o consumo pessoal.