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O Gênio Discreto de George B. Dantzig

O contemporâneo de J. R. Oppenheimer que desenvolveu métodos matemáticos de otimização valiosos na economia moderna

Por Gabriel Nicolosi
9 set 2024, 10h48
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  • George Bernard Dantzig
    George Bernard Dantzig trabalhava nos escritórios de Controle Estatístico da Army Air Force como chefe civil no departamento de Combat Analysis (Ed Souza / Stanford News Service/Divulgação)

    O ano era o de 1943 e Julius Robert Oppenheimer chegara em Los Alamos, no estado do Novo México. Filho de pai imigrante alemão e mãe nova-iorquina, o cientista americano estava prestes a iniciar seus trabalhos no Projeto Manhattan, que culminariam no desenvolvimento da bomba nuclear e no fim da Segunda Guerra Mundial. 

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    No mesmo ano, na capital do país (e muito longe do Novo México), outro cientista importante – porém muito menos conhecido – desenvolvia métodos matemáticos que hoje são tão relevantes para o mundo moderno quanto foi a derrota do Eixo, simbolizada dois anos depois em Hiroshima e Nagasaki. Também filho de imigrantes europeus e envolvido com as demandas intelectuais da guerra, George Bernard Dantzig trabalhava nos escritórios de Controle Estatístico da Army Air Force como chefe civil no departamento de Combat Analysis. “Meu escritório coletava dados a respeito de tropas enviadas, bombas lançadas, aeronaves perdidas em combate… Eu também auxiliava na preparação de planos que chamávamos de ‘programas’.” Aqui, o leitor mais familiar com o tema irá notar que tais “programas” são a razão pela qual a primeira disciplina dentro da Pesquisa Operacional leva o nome de “Programação Linear”. 

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    Enquanto a guerra se desenrolava, Dantzig trabalhava em projetos que envolviam o planejamento de operações de combate aéreo. “Tudo era planejado nos mínimos detalhes: todas as porcas e parafusos, a compra de aeronaves, a produção detalhada de tudo. Havia centenas de milhares de tipos de itens e talvez uns cinquenta mil tipos diferentes de colaboradores. […] Eu também me tornei um especialista em planejamento via técnicas matemáticas que podiam ser resolvidas à mão.”

    No ano de 1946, Dantzig retorna à Califórnia e conclui seu doutorado em Berkeley, previamente interrompido pelo começo da guerra. O leitor, então, deve estar imaginando que Dantzig, inspirado por seus estudos em planejamento militar, tenha publicado um imenso tratado sobre Pesquisa Operacional em sua tese de doutorado. Não foi o caso. Seu trabalho foi na área de estatística teórica. A essa altura de sua carreira, rumores sobre a genialidade de Dantzig já se espalhavam por universidades e viravam até mesmo sermão de igreja. 

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    A anedota (real) é que, em uma manhã preguiçosa de 1939, Dantzig chegara atrasado para uma aula de estatística. Quando se sentou, leu na lousa dois teoremas escritos ali por seu professor. Dantzig assumiu então que os alunos deveriam demonstrar a validade de tais teoremas como parte da lição de casa. Algumas semanas depois, Dantzig finalmente entregou a tarefa – com desculpas pelo atraso, pois achara aquela lição um pouco mais difícil do que de costume. Acontece que seu professor, Jerzy Neyman, não entendeu o que estava acontecendo: os dois teoremas não eram parte da lição de casa, mas sim dois resultados em aberto, ou seja, ainda a serem provados matematicamente! A “lição de casa” foi então publicada como sua dissertação após seu retorno anos depois.  

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    No ano de sua graduação, Dantzig recebe uma oferta de trabalho na mesma universidade. O salário oferecido? Míseros 22.500 dólares anuais (em valores corrigidos). Assim, ele recusa a oferta, retorna à capital e se junta ao Departamento de Defesa. Durante esse período, e inspirado pelos métodos de planejamento desenvolvidos durante a guerra, Dantzig começa a dar vida ao famigerado método Simplex, um algoritmo algébrico capaz de resolver problemas de otimização linear com milhares de variáveis de decisão e restrições de recursos. Seria, portanto, algo de imensa utilidade para planejamentos de produção e operações na economia do pós-guerra. Mas não foi até Dantizg se juntar em 1952 à Rand Corporation, também na Califórnia. Ali, ele finalmente alavanca a sua invenção com outra também em ascensão: os computadores. Essa união possibilitou que seu algoritmo fosse sistematicamente utilizado também por empresas do segundo e terceiro setores.

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    Após mais de meio século, grandes empresas no Brasil e no mundo ainda dependem de algoritmos e modelos matemáticos filhos (ou talvez bisnetos) do método Simplex. Darei alguns exemplos: a Petrobras, para otimizar a mistura de matérias-primas e insumos na produção de combustíveis, maximizando a eficiência e minimizando custos. Os Correios, para otimizar rotas de entrega, minimizando o tempo e o custo de transporte entre centros de distribuição e nós, os clientes. A CBF (se não usa ainda, deveria), para otimizar a logística de campeonatos, minimizando os deslocamentos das equipes e equilibrando o calendário de jogos. Nos Estados Unidos, empresas como Amazon, Walmart e McDonald’s têm seus próprios departamentos de Pesquisa Operacional.

    No quesito artístico, Dantzig certamente sai atrás de Oppenheimer. Apesar de inspirar uma das cenas em Good Will Hunting (no Brasil, Gênio Indomável), de 1997, a vida do cientista ainda há de ser retratada nas telas de cinema. Mas temos que concordar: explosões cinematográficas em Los Alamos são muito mais divertidas de assistir do que o planejamento militar de compra de parafusos, computadores antigos e álgebra linear. No entanto, na prática, Dantzig está muitíssimo mais presente em nossas vidas e na realidade econômica do que Oppenheimer (e prefiro que fique assim, se é que o leitor me entende). 

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    Que interessante seria se os dois, em algum momento, houvessem se encontrado! Deixemos aos bibliotecários e historiadores a árdua tarefa de descobrir se Dantzig e Oppenheimer teriam algum dia se conhecido pessoalmente. Apesar da falta de registros midiáticos de tal encontro, arrisco dizer que muito provavelmente os dois personagens históricos desta coluna mensal tenham se trombado em algum corredor frequentado por burocratas em Washington D.C. – quem sabe? Independentemente da resposta a essa questão, e com um pouco de retórica, talvez possamos afirmar: sobre o Pacífico, em 6 e 9 de agosto de 1945, a bordo dos bombardeiros B-29 que carregavam Little Boy e Fat Man, o gênio discreto de George B. Dantzig e o gênio explosivo de J. Robert Oppenheimer certamente se encontraram.

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    No próximo texto, daremos mais um passo importante na história da Pesquisa Operacional. Falarei de alguns nomes que ultrapassaram as fronteiras da disciplina e sem os quais o pouso da Apollo 11 teria sido possível apenas em um estúdio qualquer sob as lentes de Stanley Kubrick.

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    Gabriel Nicolosi é PhD em Engenharia Industrial e Pesquisa Operacional pela Pennsylvania State University e Professor de Engenharia de Gestão e de Sistemas na Missouri University of Science and Technology, nos Estados Unidos

    Referências 

    [1] https://www.informs.org/Resource-Center/Video-Library/H-T-Videos/George-Dantzig-Interview
    [2] https://supernet.isenberg.umass.edu/photos/gdobit.html
    [3] https://en.wikipedia.org/wiki/George_Dantzig
    [4] https://ahf.nuclearmuseum.org/ahf/history/little-boy-and-fat-man/
    [5] https://www.snopes.com/fact-check/the-unsolvable-math-problem/

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