“Pedalada fiscal” foi a expressão que descrevia, no governo de Dilma Rousseff, a manobra para esconder a deterioração das contas públicas. Eram artifícios que buscavam dar um ar de normalidade a um grave desequilíbrio nas finanças federais, além de permitir a continuidade da expansão de gastos. Fabricavam-se lucros no BNDES para engordar os dividendos distribuídos à União. Bancos oficiais pagavam subsídios, mas não eram ressarcidos, evitando-se o seu registro na contabilidade pública. E por aí afora. A prática serviu de base ao processo de impeachment da presidente.
De forma distinta, mas com objetivos semelhantes, o atual governo pode estar dando início a uma manobra perigosa para favorecer a elevação dos gastos da União. A Casa Civil estaria consultando o Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a possibilidade de se realizar investimentos em infraestrutura mediante a utilização de créditos extraordinários previstos no chamado Orçamento de Guerra, que foi objeto de uma emenda constitucional. O objetivo foi o de permitir a realização de despesas voltadas para enfrentar os efeitos da pandemia, as quais foram excluídas do teto de gastos. Agora, se buscaria o guarda-chuva da emenda para amparar uma expansão fiscal temerária.
De fato, diz-se que a medida abriria margem para investir R$ 35 bilhões em obras públicas com o objetivo de impulsionar a recuperação da economia no pós-pandemia. A consulta ao TCU teria decorrido de pressões do ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho.
A decisão da consulta foi adotada pela Junta de Execução Orçamentária (JEO), constituída dos ministros da Casa Civil, Walter Braga Netto, e da Economia, Paulo Guedes. Ou Guedes foi voto vencido ou concordou com a manobra, a qual poderá repercutir mal entre os agentes do mercado e avaliadores de risco. O sinal poderá ser o de que o governo recorre a artifícios para driblar a obrigatoriedade de cumprir o teto de gastos, que é a âncora fiscal do país.
Se o TCU vier a apoiar a interpretação do governo, estará aberto um canal para outras manobras, minando a credibilidade da gestão fiscal. Cabe lembrar que a manobra não altera a trajetória da relação dívida pública/PIB, que é o principal indicador de solvência do setor público e é acompanhado muito de perto pelos que avaliam o risco do Brasil.
Trata-se, pois, de precedente para lá de perigoso.