Não é apenas em sua injustificada defesa da neutralidade do Brasil em face da invasão da Rússia que o presidente Jair Bolsonaro erra, mais uma vez. Não há como distanciar-se de uma agressão que viola regras básicas do direito internacional e da diplomacia, plasmadas nos últimos mais de duzentos anos desde o Congresso de Viena de 1815. Nesta reunião, reorganizou-se a ordem geopolítica da Europa após o fim das guerras napoleônicas.
A invasão russa retrocedeu ao ambiente em que o mais forte impunha sua vontade aos mais fracos, que começara a mudar com os acordos de Vestifália de 1648, assinados após o fim da Guerra dos Trinta Anos. Esses acordos lançaram as bases da ideia do estado-nação, reconhecendo-se a integridade territorial dos países e a soberania de seus povos para decidir sobre o seu próprio destino. O Congresso de Viana solidificou o conceito.
A maioria esmagadora dos países condenou a invasão da Ucrânia. Na América Latina, a Rússia foi apoiada apenas por estados-pária, a Venezuela e a Nicarágua. Na Ásia, por razões conhecidas, a China e a Índia se abstiveram em apoiar a resolução do Conselho de Segurança da ONU que condenava o injustificado ato de guerra da Rússia. Embora o Brasil tenha apoiado a resolução, Bolsonaro decidiu isolar o país do mundo quando declarou a neutralidade. Até a Suíça – que se caracterizara por sua neutralidade estratégica por mais de um século – decidiu juntar-se aos países que impuseram fortes sanções contra a Rússia.
Não satisfeito com o posicionamento inconsequente em relação à atitude condenável da Rússia, Bolsonaro desprezou a avaliação positiva que a imprensa mundial tem feito sobre o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky. Todos o tratam como herói, realçando sua coragem, sua capacidade de enviar mensagens ao seu povo e ao mundo, valendo-se, além da inesperada liderança, de suas habilidades em manejar a palavra – fruto de sua experiência como ator – e em mobilizar seu povo em favor da defesa do país e da reação aos invasores, usando até coquetéis Molotov. Zelensky preferiu permanecer à frente do governo, recusando a oferta americana de retirá-lo para um lugar seguro. Disse que preferia munição a uma carona.
Bolsonaro decidiu ironizar, lembrando que os ucranianos “escolheram um comediante” para seu presidente. Ao contrário de Zelensky, nosso presidente não sabe comportar-se diante de situações relevantes, que clamam pelo exercício da liderança consequente.