A questão dos precatórios – créditos líquidos e certos resultantes de processos judiciais que condenam o Estado a indenizar litigantes prejudicados pelo setor público – está virando uma verdadeira saga. Depois de ideias impróprias para solução do impasse, surgiu uma saída pior: estabelecer um subteto para tais despesas, como se verá adiante.
Na origem do problema está a falha do Ministério da Economia em gerir os respectivos riscos e em negociar desconto com os credores. Preferiu-se uma proposta de emenda constitucional (PEC) para formalizar o calote. O pagamento se daria em dez anos. Assim, depois de lutar por dez, vinte ou mais anos pelo reconhecimento de seus direitos, os credores teriam que esperar mais uma década para receber os créditos.
O mercado financeiro reagiu imediatamente a essa tentativa de calote. Houve aumento na curva de juros de longo prazo e na avaliação de risco do país. Além disso, a PEC não possui viabilidade, seja do ponto de vista jurídico (o Supremo Tribunal Federal – STF – já afastou medidas similares no passado), seja por falta de suporte político suficiente, dada a falta de apoio majoritário dos parlamentares à medida.
Não bastassem as incertezas decorrentes da saga, acaba de surgir uma proposta pior, que teria sido apresentada pelo ministro Luiz Fux, presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. A ideia seria adotar um subteto de gastos para os precatórios, tomando por base o valor total pago em 2016 – quando entrou em vigor o teto –, corrigindo-o pela inflação. Tudo que excedesse esse valor corrigido seria transferido para os exercícios seguintes, à medida que o subteto fosse recalculado. Ao que se comenta em Brasília, essa proposta teria o apoio do ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União.
Surpreendentemente, essa alteração nas regras seria realizada por meio de uma resolução do CNJ. Ora, o próprio governo já entendeu que a saída, mesmo que ruim, deve ser feita mediante emenda constitucional. Adicionalmente, quando são feitos os cálculos, a situação mais se complica. De fato, segundo Hipólito Gadelha Remígio, consultor de Finanças e Orçamento do Senado, do total de precatórios orçados para 2022 (R$ 89 bilhões), apenas R$ 38 bilhões seriam pagos. A parcela remanescente, de R$ 50 bilhões, seria deixada para o Orçamento de 2023. Ocorre que em 2023, não haveria espaço para quitar o estoque pendente, a que se somaria o custo das novas sentenças que certamente virão. Isso aumentaria o estoque das obrigações não pagas. Com o passar dos anos, segundo ainda as estimativas daquele consultor, a cada doze anos a fila aumentaria trinta anos.
Assim, para o credor cujo precatório fosse expedido no ano de 2046, o pagamento ocorreria em 2082; para aqueles cujos precatórios fossem expedidos em 2058, a quitação ocorreria em 2112. Incrível, não? Tem mais um problema. Não se diz como esse novo calote seria operacionalizado. Seriam pagos em primeiro lugar os precatórios mais antigos ou se pagaria a cada credor na proporção entre o valor orçado e o efetivo? Haja confusão.
A solução para o impasse não pode depender de soluções que causem danos à imagem do país e à confiança dos investidores. Há que se tratar os precatórios segundo sua natureza própria, qual seja a despesa primária que nasce de sentenças judiciais e que, desse modo, deve ser quitada. A esta altura, a excepcionalidade do momento recomenda a saída menos danosa, qual seja a de excluir essas obrigações do teto de gastos, nos termos do artigo 107 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição.
Dada a inapetência do governo, o Congresso poderia assumir a liderança deste processo e promover uma solução rápida e eficiente.