Não, livro infantil não quer incitar suicídio infantil
Editora publicou nota de apoio à autora e explicou que trecho polêmico faz parte do 'processo poético para a criança entrar no mundo da imaginação'
Uma página do livro O menino que espiava para dentro, da escritora e membro da Academia Brasileira de Letras Ana Maria Machado, foi parar nos grupos de discussão de pais no WhatsApp. Junto com a capa e uma das páginas do livro, uma mensagem anônima de uma mãe dizia que o filho tinha lhe perguntado se era verdade que se engasgasse com uma maçã e ficasse sem respirar iria conseguir ir até o encontro do seu mundo da imaginação.
“Eu de imediato falei que não e expliquei que ele correria grande perigo e provavelmente morreria sem ar, deixando todos que o amam muito tristes. E perguntei: Mas por que você está me perguntando isso, filho? Ele me disse que o menino do livro que estava lendo tem um amiguinho imaginário que mandou ele fazer isso, ou seja, que, se ele engasgasse com uma maçã, ele acabaria com todos os seus problemas!”, afirma a mensagem compartilhada exaustivamente nas redes sociais e grupos de WhatsApp.
Foi o suficiente para que centenas de pais se insurgissem contra a publicação, enxergando nesse trecho uma incitação ao suicídio. Alguns pediram que o livro fosse retirado de circulação e fosse banido das escolas.
Para defender a autora, a Global Editora publicou uma nota que explica que a referência à maçã faz parte de ‘um processo poético para a criança entrar no mundo da imaginação’.
“Esclarecemos que as referências à maçã e ao fuso são alusões às histórias da Branca de Neve ou da Bela Adormecida e constituem parte integrante do universo da história, sustentando o argumento de que imaginar pode ser muito bom, mas a realidade externa se impõe”, afirma a nota publicada pela Global. “Conversar com os outros (como a mãe) é fundamental, e a afetividade que nos faz felizes está ligada a seres vivos e reais.”
A resposta da editora não foi suficiente para acalmar os ânimos paternos. Alguns escreveram nas redes sociais que quando o livro foi lançado, em 1983, o índice de suicídio era baixo, mas que hoje a situação era diferente.
Ao jornal O Globo, a autora disse que estava chocada com a polêmica. “Foi como se uma bigorna caísse na minha cabeça. Até peguei o livro para reler, pensando que pudesse ter alguma frase infeliz. Mas que nada. É apenas a história de um menino cheio de imaginação que precisava de um amigo, e acaba ganhando um cachorro”, disse a escritora para o jornal.
A polêmica com o livro de Ana Maria Machado ocorre semanas depois de algumas escolas enviarem cartas para pais alertando sobre a boneca Momo do WhatsApp. Como a Baleia Azul, a Momo induziria crianças e adolescentes a cumprir tarefas perigosas e macabras que poderiam, em último caso, levar à morte.
Não dá para colocar os filhos em redomas de vidro e poupá-los de todos os perigos da vida, reais ou não. O jeito mais simples de evitar que a criança caia em jogos sinistros como o da Momo do WhatsApp é conversando, prestando atenção aos conteúdos a que ela assiste na internet e com quem se relaciona. Tablets e celulares não devem ser usados como babás eletrônicas. Os pais devem ficar por perto, monitorando os conteúdos a que os filhos são expostos e interferindo quando aquilo estiver inadequado.
Veja abaixo a íntegra da nota da Global Editora:
“A Global Editora tem recebido algumas manifestações sobre a obra O menino que espiava pra dentro, de Ana Maria Machado. As mensagens acusam o livro de incitar o suicídio entre as crianças. Precisamente, trata-se do texto da página 23, em que o menino come uma maçã para ingressar no mundo dos sonhos – um processo poético para a criança entrar no mundo da imaginação.
Esclarecemos que as referências à maçã e ao fuso são alusões às histórias da Branca de Neve ou da Bela Adormecida e constituem parte integrante do universo da história, sustentando o argumento de que imaginar pode ser muito bom, mas a realidade externa se impõe. Conversar com os outros (como a mãe) é fundamental, e a afetividade que nos faz felizes está ligada a seres vivos e reais.
O livro foi publicado em 1983 e até o momento não havia despertado nada de negativo nessa área. Inclusive, trata-se de uma obra adotada em diversas escolas brasileiras.
Ana Maria Machado é considerada pela crítica como uma das mais versáteis e completas escritoras brasileiras contemporâneas, com mais de 100 livros publicados no Brasil e em mais de 17 países, somando mais de 20 milhões de exemplares vendidos. O seu carinho e cuidado com a educação de nossas crianças e a formação de leitores sempre foi sua prioridade. Portanto, em momento algum, escreveria algo que pudesse prejudicá-las.
Todo o nosso apoio e carinho à Ana Maria Machado!
Equipe Global Editora”