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Vou ter um filho só! Posso? Devo?

Pais que querem ter apenas um filho sempre ficam em dúvida se devem ou não tomar essa decisão devido a estereótipos reproduzidos sem fundamento

Por Luis Augusto Rohde
Atualizado em 20 abr 2018, 19h21 - Publicado em 20 abr 2018, 18h15
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  • Na lógica neoliberal, nada melhor para um psiquiatra da infância e adolescência do que um mundo cheio de crianças e, consequentemente, de pacientes! O problema é que essa pergunta aflige muitos casais que, por questões econômicas, já que é cada vez mais caro criar filhos, ou por questões de estilo pessoal, gostariam de optar por ter um único filho.

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    Esses pais são frequentemente emparedados pela família extensiva, amigos, ou pela própria consciência com perguntas do tipo: Como é que você pode pensar em fazer isso com o fulaninho, deixá-lo sem irmãos? Vais criar um monstrinho? Os adjetivos para qualificar a trajetória de vida de filho único são vários. Numa rápida passagem por diversos sites na web encontra-se: mimado, egoísta, solitário, malcomportado, dependente, excessivamente exigente.

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    Taxa de natalidade

    É verdade que a pergunta pode parecer descabida num momento em que a taxa de natalidade no Brasil anda em torno de 1,75 criança por mulher. Ou até meio démodé, considerando que cerca de 22% das mulheres na Alemanha não querem nem ter filhos quanto mais um (32% na melhor cidade alemã para se viver – Hamburgo, segundo o The Economist).

    Ajuda da neurociência

    A questão se revestiu de novo interesse na medida em que a neurociência resolveu também dar o seu pitaco. Um estudo chinês recente avaliou a estrutura cerebral de um grupo de universitários que eram filhos únicos e de outro grupo que tinha irmãos.

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    Diga-se de passagem que boa parte da literatura científica sobre filhos únicos é produzida na China, em função da política implementada no país em 1979, estimulando/obrigando as famílias a terem um único filho. Essa política foi revogada em 2015, com a entrada da política de dois filhos.

    Estudos anteriores de neuroimagem mostram que uma área do cérebro chamada de giro supramarginal pode ter relação com a criatividade, e que atividade em áreas de córtex pré-frontal medial podem se relacionar com um traço de personalidade chamado de agradabilidade. Pois no estudo em questão, os filhos únicos tiveram escores maiores em testes de criatividade e menores em testes que mediam agradabilidade e também maior volume cerebral de giro supramarginal e menor de córtex pré-frontal medial do que os indivíduos com irmãos. Os resultados foram ajustados para diferenças entre os grupos em idade, sexo, nível de educação dos pais, nível socioeconômico das famílias e volume cortical cerebral total.

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    Ciência do desenvolvimento

    Ok, mas o que interessa para os pais não é a volumetria cerebral na tomada de decisão. O que nos conta a ciência do desenvolvimento? Há mais de 30 anos, foi publicado um estudo gigantesco que revisou mais de 200 artigos sobre esse assunto. Em nenhuma das áreas revisadas – desempenho acadêmico, ajustamento, características de personalidade, inteligência, sociabilidade e relação pais e filhos – os filhos únicos tiveram piores escores do que os indivíduos com irmãos. Esses resultados têm se replicado até hoje.

    Um estudo americano com quase 10.000 jovens novamente não encontrou resultados significativamente diferentes entre filhos únicos e aqueles com irmãos em várias medidas de desempenho acadêmico e estresse psicológico. Há alguns anos, obtivemos achados semelhantes numa amostra de 360 adolescentes de uma escola particular em Porto Alegre.

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    Como então a ciência não consegue derrubar essas crenças populares? Essa instigante pergunta não tem resposta definitiva. Quem sabe os mitos familiares sobre o filho único encubram razões mais fortes para a decisão dos pais de terem um único filho, como a força atávica evolutiva para se ter mais de um filho e assim perpetuar a humanidade. Isso tem roupagem contemporânea embasada em questões de seguridade social: Quem vai cuidar de uma população envelhecida sem jovens?

    Soma-se a isso a questão de botar todos os ovos no mesmo cesto. Um outro interessante estudo chinês descreve o sofrimento das mães com filho único que perderam seus filhos num momento do ciclo vital em que não podiam mais ter filhos. Há inúmeros relatos de o quanto o(s) filho(s) sobrevivente(s) é(são) importante(s) para os pais, que perdem um filho, conseguirem seguir em frente.

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    Vontade livre de estereótipos

    Que fique claro: não se trata de discutir se é melhor ou pior ter um ou mais filhos. O ponto aqui é apenas ajudar os pais a tomarem uma decisão que possa refletir mais a sua vontade do que estereótipos sem qualquer sustentação real. Em relação a estereótipos, vale sempre lembrar: “Um estereotipo pode ser positivo ou negativo, mas mesmo estereótipos positivos apresentam dois problemas: eles são clichês e apresentam o ser humano de forma muito mais simples e uniforme do que qualquer pessoa realmente é.” Nancy Kress, escritora americana.

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    Conflitos de interesse: O colunista declara que é pai de uma única filha!

     

    (Ricardo Matsukawa/VEJA)

     

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