Você sabia que a pele e as articulações podem conversar? Pelo menos para quem convive com psoríase, essa conversa pode ser dolorosamente real. Cerca de 30% dos pacientes de psoríase desenvolvem também a artrite psoriásica.
Ambas são doenças crônicas que impactam profundamente a qualidade de vida dos pacientes e o dia a dia de consultórios de diversas especialidades, incluindo os prontos-socorros, portas de entrada durante as crises de dor e coceira agonizantes vivenciadas por quem convive com elas.
Outra característica em comum é que essas são doenças imunomediadas, ou seja, que acontecem quando o sistema imunológico, que deveria nos proteger, ataca o próprio corpo por engano.
Por isso, são patologias que exigem uma abordagem integrada. E um dos grandes desafios está no diagnóstico. Os pacientes levam, em média, 2 anos para chegar ao diagnóstico de psoríase. E esse tempo pode chegar a até 5 anos para se diagnosticar a artrite psoriásica.
Infelizmente, ainda deparamos com desafios consideráveis em relação ao diagnóstico precoce e acesso adequado ao tratamento, especialmente no contexto do sistema público de saúde, mas não apenas nele.
Como reumatologista e dermatologista, testemunhamos, cada um à sua maneira, o sofrimento literalmente vivido na pele por pacientes por conta de um diagnóstico mais tardio e, por conseguinte, pela demora em iniciar tratamento efetivo.
A psoríase, que frequentemente só é vista pela ótica do comprometimento social por conta das lesões de pele, hoje é entendida como uma doença sistêmica, que pode evoluir com comprometimento articular e de outros órgão, podendo até mesmo reduzir a expectativa de vida.
A demora em reconhecer os sintomas em anamnese (conversas com pacientes para diagnóstico) aumenta o risco de crises graves e de danos irreversíveis nas articulações. Para além da demora, ainda trabalhamos para estabelecer um protocolo integrado de ação, com diferentes especialidades médicas, para melhorar a abordagem a doenças tão complexas como essas.
A falta de conhecimento sobre a psoríase e a artrite psoriásica é também um complicado obstáculo a ser superado não apenas entre pacientes, mas entre gestores de saúde no Brasil. É crucial ampliar a conscientização sobre a complexidade clínica dessas doenças, que se manifestam de diferentes formas.
As lesões cutâneas são as mais comuns manifestações dessa doença, que pode comprometer áreas muito delicadas da pele, como áreas genitais, unhas e regiões das palmas e plantas, comprometendo atividades cotidianas e relações íntimas, por exemplo.
No caso da doença reumática, dores articulares, rigidez, fadiga e alterações nas unhas são frequentemente subdiagnosticadas, levando a anos de peregrinação por diferentes especialistas e tratamentos inadequados que, por vezes, culminam na redução extrema da qualidade de vida. Não só: esse cenário abre portas para problemas de outras ordens, como depressão, transtornos de ansiedade generalizados e prejuízos à saúde por conta de medicação excessiva, como nos rins e fígado, no caso da metabolização de corticoides orais.
Para ter noção do impacto, a demora no diagnóstico correto da artrite psoriásica, por exemplo, pode ter consequências sérias, como a deformação e perda de função das articulações.
Quando falamos em redução de gargalos e numa melhor jornada para o paciente até o diagnóstico correto é preciso levar em consideração a integração entre especialidades médicas. Esse é um dos primeiros passos. A interação entre dermatologistas e reumatologistas, por exemplo, permite uma avaliação completa do paciente, facilitando a identificação da artrite psoriásica e o início precoce do tratamento. Promover a formação médica continuada de qualidade é também fundamental.
Outro ponto crítico é a dificuldade de acesso a tratamentos eficazes. As novas terapias biológicas revolucionaram o controle dessas condições, proporcionando remissão da doença e melhorando significativamente o bem-estar dos pacientes. No entanto, a realidade brasileira impõe barreiras a esse avanço.
A longa espera para consultas com especialistas, a demora na realização de exames e a burocratização para a liberação dos medicamentos pelo sistema público e pelos planos de saúde são apenas alguns dos obstáculos enfrentados. Muitos pacientes permanecem anos em tratamento com medicamentos tradicionais, que nem sempre ajudam a controlar a doença, enquanto aguardam na fila por tratamentos mais modernos e eficazes.
Uma forma de ajudar a melhorar o sistema único de saúde para oferecer mais uma opção de tratamento para ambas as doenças é com a participação da classe médica, e de toda a sociedade, em consultas públicas para psoríase e artrite psoriásica abertas pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde – a decisão pode permitir que novas opções terapêuticas estejam disponíveis de forma gratuita.
Para nós, médicos, é essencial ter um arsenal que nos permita escolher o tratamento certo, para a pessoa certa, na hora certa. A ciência tem evoluído e hoje há opções para diferentes cenários de cuidados. No entanto, é preciso que os novos medicamentos sejam acessíveis. Só com conscientização, diagnóstico precoce e oferta de tratamento eficaz poderemos virar o jogo contra a psoríase e a artrite psoriásica.
* Marco Rocha Loures é reumatologista e presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR); Wagner Galvão é dermatologista e membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD)