Por que infecções em geral podem ameaçar o coração?
Covid-19, gripe e outras doenças causadas por vírus e bactérias chegam a repercutir no estado cardiovascular. Mas existem medidas preventivas
A primeira mensagem que gostaria de transmitir: uma infecção, seja por vírus, seja por bactérias ou fungos, não é um acontecimento isolado no organismo. Por trás dela existe toda uma reação do sistema imune, bem como um processo inflamatório desencadeado para conter o agente infeccioso. Nessa situação, moléculas como radicais livres são liberadas em grande quantidade na circulação, podendo gerar mudanças significativas nos vasos sanguíneos e em órgãos como o coração.
Veias e artérias são condutos por onde o sangue passa, levando oxigênio e nutrientes para todo canto do corpo. Esses vasos contraem e dilatam em ritmo harmônico, permitindo o escoamento do líquido vital. Fatores como a pressão arterial participam dessa história.
Ocorre que uma infecção pode prejudicar sensivelmente o estado e a movimentação dos vasos sanguíneos, resultando em variações anormais na pressão arterial. Tanto toxinas infecciosas como substâncias inflamatórias podem atingir a parede de veias e artérias, contribuindo para uma contração ou dilatação prolongadas, por trás do aumento ou da queda da pressão, respectivamente.
A inflamação fora de controle ainda é capaz de estimular a ruptura de placas que entopem os vasos – estopim para infartos. E não é apenas o coração que corre risco. Steven Crowley, reputado professor da Universidade Duke, nos EUA, alerta para os efeitos indiretos nos rins, aumentando a probabilidade de retenção de sal e água e, por extensão, de hipertensão – processo que fomenta ataques cardíacos, arritmia, derrame e insuficiência cardíaca.
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Pane no sistema
Processos infecciosos geram alterações significativas no ambiente químico e elétrico de nossas células, desequilibrando reações complexas nessas pequenas usinas que, de forma silenciosa, garantem nossa sobrevivência. Isso é representado por uma conceito bem conhecido dos cientistas, o estresse oxidativo. Em resumo, nossas células são expostas a mais e mais radicais livres, perdendo sua função e envelhecendo em ritmo acelerado – é como se estivessem enferrujando.
Imagine esse processo acontecendo em nossos vasos sanguíneos. Um prejuízo tamanho às artérias e veias que comprometerá o fluxo ativo de sangue e aumentará o risco de desabastecimento e falência de órgãos.
Sabe-se que o estresse oxidativo também eleva a concentração de óxido nítrico na circulação. Essa substância é um vasodilatador natural, mas, em alta concentração, pode deixar os vasos excessivamente abertos por período prolongado, situação problemática conhecida como vasoplegia.
O perigo, claro, é maior quando a infecção é bem-sucedida e deixa de ser local, tendo repercussões sistêmicas. Aí, a depender do paciente, aumenta consideravelmente o risco de complicações cardiovasculares, tanto na fase aguda como no estágio crônico da sepse. Pesquisadores da Universidade de Pittsburgh, nos EUA, elencaram num modelo conceitual os fenômenos e as ameaças envolvidas nesse quadro.
Enquanto na fase aguda da sepse os principais eventos são a tempestade inflamatória, a ruptura de placas de gordura dentro dos vasos e infartos, entre outros, na fase crônica observam-se aumento no risco de trombose, endurecimento das artérias e formação de cicatrizes no coração, por exemplo.
Tudo isso nos permite concluir que não se deve subestimar nenhum tipo de infecção, não só pelos seus sintomas e manifestações clássicas, mas também pelas consequências cardiovasculares potencialmente letais. Os cuidados precisam ser redobrados para pacientes que já possuem fatores de risco, como diabéticos e hipertensos. Ao menos temos vacinas para evitar ou abrandar o estrago provocado pelos micróbios.
* Edmo Atique Gabriel é cardiologista e cirurgião cardíaco, professor universitário e coordenador do curso de medicina da Unilago, em São José do Rio Preto (SP)