Nostradamus tem sua fama devida principalmente ao seu livro ”Les Prophéties” de 1555. Tal obra, muito mais do que por sua qualidade literária, sobreviveu ao longo de séculos pelo apelo de sua ambição: prever o futuro.
Desde sempre o ser humano mostra-se fascinado pelo futuro, mas geralmente muito mais apegado ao discurso fatalista e apreensivo do que pela visão empolgante da esperança por dias melhores. Apesar de a história da Humanidade provar o contrário, com todos os avanços na qualidade e expectativa de vida trazidos ao longo de milênios e em ritmo exponencial no mundo contemporâneo, a visão temerosa sobre o futuro continua semelhante de geração em geração, independente de classe social, etnia ou cultura. O senso comum tende a convergir para a ideia de que o fim da humanidade estará próximo e caminha-se para tempos sombrios. Mudam-se os vilões, mantém-se o desfecho apocalíptico.
Mas afinal, por que geralmente as pessoas angustiam-se com a visão sobre o futuro da humanidade mesmo quando a realidade histórica prova o contrário? É uma questão complexa que exige a análise de muitos fatores, mas aqui gostaria de ressaltar um mecanismo da cognição humana que tem papel relevante neste processo: a tendência de associação entre a ideia de segurança e de controle. Para que alguém se sinta seguro diante de uma circunstância é preciso que haja a sensação de controle da ação naquele contexto. Isso explica um medo tão comum que é viajar de avião mesmo quando o risco de um acidente de carro seja estatisticamente maior. Na primeira condição dá-se o controle da situação a um piloto que jamais se viu e na outra tem-se o volante do veículo sob as próprias mãos. Apesar de racionalmente não fazer sentido, muitas pessoas optam pela possibilidade menos segura por ironicamente sentirem-se mais seguras nela. Isso ocorre justamente pela associação das ideias de segurança e controle que não necessariamente andam juntas, mas para nossa mente sim.
A vivência do tempo futuro necessariamente se dá de forma hipotética; por definição não há certeza ou controle sobre o futuro. Assim, é natural que esta passagem do tempo evoque mais insegurança e, quanto mais distante o indivíduo estiver do controle sobre determinada situação futura, mais vulnerável sentir-se-á. Por isso assuntos de ordem global e macroeconômicos cursam com mais preocupação ao indivíduo: o aquecimento global, a próxima grande crise econômica, a nova pandemia, a guerra iminente em algum lugar do planeta, os movimentos migratórios; todos os problemas grandes o bastante para uma solução individual evocam o sentimento de impotência, são vividos praticamente como uma tragédia anunciada onde o papel das futuras gerações será apenas de espectadores macabros do fim do mundo.
Mas a verdade é que o Homo sapiens sobreviveu a todos os demais hominídeos, a três grandes mudanças climáticas, a pestes, pandemias, guerras mundiais, acidentes nucleares, bomba atômica, buraco na camada de ozônio, fascismo, escravidão, ditaduras e continuará a superar as adversidades que a vida impõe pelo fato de ter como característica evolutiva sua capacidade de adaptação diante de situações de adversidade. A pandemia da COVID-19 é prova cabal de como a sociedade adapta-se frente a uma realidade adversa.
Não significa que não devamos nos preocupar com nossa consciência coletiva frente aos problemas do mundo atual ou a gravidade de cada um deles, mas não nos esqueçamos de que Nostradamus e todos os demais adivinhos erraram sobre o fim do mundo. Profetizo que continuarão a errar.