Tive o privilégio de participar de um evento médico-científico sem precedentes. Em Estocolmo, no renomado Instituto Karolinska, trabalhei intensivamente durante dois dias com cerca de 100 profissionais de saúde e pesquisadores de 28 países, com diferentes expertises, motivados pelo objetivo de buscar respostas para casos enigmáticos de doenças raras que permaneciam sem diagnóstico mesmo após investigações prévias intensas.
Essa foi “The first undiagnosed hackathon – pushing the boundaries for undiagnosed rare diseases”. O evento na Suécia utilizou o conceito de “hackathon”, que combina a palavra “hacker” (pessoas dedicadas a superar barreiras), e “marathon”, que reflete esforço contínuo e perseverante. O objetivo foi reunir equipes para encontrar soluções inovadoras para problemas complexos.
Graças ao intenso trabalho colaborativo, quatro casos tiveram seus diagnósticos desvendados já no primeiro dia – um marco de alívio para famílias e um avanço significativo para a medicina. Quando o diagnóstico de uma doença rara é decifrado, o impacto é transformador: para as famílias, que passam a compreender sua realidade e podem planejar o futuro, incluindo o tratamento necessário.
Para a medicina, representa um avanço na compreensão de doenças, permitindo uma atuação mais eficiente em situações similares no futuro. Para a ciência, abre caminho para o desenvolvimento de novos métodos, abordagens e soluções inovadoras, com múltiplas aplicações potenciais. Os resultados da primeira hackathon foram recentemente publicados na prestigiada revista científica Nature Genetics, e representam uma abordagem disruptiva para o diagnóstico de precisão.
Eles também reafirmam o poder da colaboração internacional e multidisciplinar, incluindo parcerias com pacientes, como caminho para conquistas revolucionárias no campo das doenças raras.
No BrasilM iniciativas já começam a seguir esse exemplo. A Dasa Genômica, em parceria com a Casa dos Raros, lançou este ano o Programa de Doenças Não Diagnosticadas, o primeiro do tipo no país. Desde o lançamento, dez casos foram submetidos, três deles em processamento avançado rumo a uma solução diagnóstica.
O programa prioriza casos enviados por serviços médicos de referência em doenças raras e os que possuem programas de residência médica na área, garantindo excelência na seleção e investigação. Mensalmente, uma comissão formada por médicos e cientistas analisa as solicitações, seleciona os casos que serão estudados e faz recomendações.
Em reconhecimento a esses esforços, a próxima reunião anual da Rede Internacional de Doenças Não Diagnosticadas (UDNI) foi marcada para ser realizada no Brasil em outubro de 2025. As “hackathons” e os programas dela derivados, tanto internacionais quanto nacionais, provam como a inovação, a ciência e a colaboração podem transformar vidas.
No universo das doenças raras, onde o diagnóstico é frequentemente o maior desafio, essas iniciativas trazem esperança para famílias e geram avanços para a medicina e a ciência. Afinal, quando unimos esforços, rompemos barreiras e construímos um futuro mais promissor para todos.
* Roberto Giugliani é médico especialista em genética e coordenador de Doenças Raras na Dasa Genômica, diretor da Casa dos Raros e membro titular da Academia Brasileira de Ciências