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Idade penal: com a palavra, o cérebro

A questão da redução da maioridade penal está parada no país. Existem argumentos da neurociência e psicologia tanto contra como a favor da medida

Por Luis Augusto Rohde
Atualizado em 4 jun 2024, 21h18 - Publicado em 15 jun 2017, 12h47

Num Brasil que luta para sair da condição de menoridade moral, vale se perguntar o que aconteceu com o debate sobre a maioridade penal. Atualmente, como tudo no país, o assunto está parado! Desde março desse ano, quatro propostas de emenda constitucional (PECs) encontram-se prontas para entrada em pauta na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado.

Na redação atual da nossa Constituição Federal, a imputabilidade ocorre a partir dos 18 anos. A PEC, com maior chance de sucesso, e que tem parecer favorável do relator (PEC 33/2012), altera a Constituição permitindo imputabilidade penal para maiores de 16 anos.

Alguns aspectos devem ser salientados na proposta:

  1. Apenas o Ministério Público poderia fazer essa solicitação e a decisão dependeria de instância judicial especializada em questões da infância e adolescência;
  2. Ela se aplicaria apenas a crimes graves incluindo crimes hediondos, homicídios dolosos, lesão corporal seguida de morte e reincidência em roubo qualificado;
  3. A pena deveria ser cumprida em unidade distinta daquela destinada a presos maiores de 18 anos.

A questão da maioridade penal deve ser examinada por uma multiplicidade de ângulos complementares. Entretanto, os contrários à redução costumam invocar dados oriundos da neurociência e psicologia do desenvolvimento para dar suporte a sua argumentação.

Argumentos contra a redução

Vamos a eles! Dados consistentes documentam que o cérebro adolescente é diferente daquele do adulto. Mais ainda, ele é diferente em áreas que interessam para esse debate. Assim, durante a adolescência, existe um forte desbalanço entre uma maturação lenta de áreas cerebrais responsáveis pelo freio-inibitório do indivíduo e uma forte ativação de áreas relacionadas à busca de sensações e emoções. Assim, o córtex pré-frontal, área fundamental para planejamento, execução e controle de impulsos é a última região cerebral a amadurecer. Isso ocorre para muitos apenas no fim da adolescência/início da vida adulta.

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Em contrapartida, há uma alta atividade cerebral na adolescência, detectada por exames de imagem cerebral, numa área do cérebro chamada estriato ventral. Interessantemente, essa atividade nessa área é mais alta do que a existente na mesma região tanto na infância quanto na idade adulta. Essa é uma importante área relacionada à busca de sensações e recompensas. Assim, esse desbalanço pode comprometer a habilidade do adolescente de modular fortes emoções negativas e positivas e de avaliar riscos. Ao mesmo tempo, o impele para atitudes mais impulsivas.

Somam-se a isso dados da psicologia do desenvolvimento que há muito documentam a imensa vulnerabilidade dos adolescentes à pressão e opinião de grupo. Dados de neuroimagem funcional sugerem inclusive que essa vulnerabilidade pode ter relação com a funcionalidade do córtex pré-frontal ainda imaturo e a uma maior ativação de áreas emocionais do cérebro como a circuitaria límbica, que se ativa diferenciadamente na adolescência no momento da tomada de decisões na presença de pares.

Argumentos favoráveis à redução

O interessante é que a neurociência é chamada de forma seletiva para o debate. Ué, existe um outro lado? Existe sim. A psicologia do desenvolvimento e a neurociência têm demonstrado que existe um grupo de crianças com um tipo específico de problemas de comportamento que popularmente se chamou de traços psicopáticos ou de frieza e falta de contato emocional. Os profissionais da área da saúde mental preferiram recentemente cunhar um termo mais amigável: “com limitadas emoções pró-sociais”.

Os dados indicam que essas características podem ser evidenciadas desde a infância, têm uma estabilidade alta da infância para a adolescência e dessa para a idade adulta, formando o que se chama de personalidade antissocial na vida adulta. Essa é uma das trajetórias mais estáveis no desenvolvimento humano, senão a mais estável. Indivíduos com essa trajetória têm mecanismos neuropsicológicos bastante específicos conhecidos como deficiência de empatia (não conseguem sintonizar com as emoções do outro) e baixa sensibilidade biológica à ameaça (não alteram nem os batimentos cardíacos numa situação assustadora!).

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A neurociência indica que, por vias diferentes, alterações da conectividade de uma área do cérebro conhecida como amígdala, que é responsável pelo processamento de emoções, principalmente em situações de ameaça, parecem ser importantes para ambos mecanismos.

Para piorar o cenário, esses indivíduos têm baixa resposta a tudo que conhecemos em termos de intervenções familiares, psicoterápicas e medicamentosas. Essa, possivelmente, é a trajetória de jovens como aquele de 17 anos responsável por 4 assassinatos e 3 tentativas prévias que, ao ser reconduzido, após fuga da Unidade de Internação Educacional onde estava abrigado, afirmou, segundo matéria na imprensa, que a satisfação de matar um inimigo era maior do que a pena branda que lhe poderia ser aplicada!

Para aqueles que imediatamente irão levantar a bandeira de que alguns com essas características no final da adolescência conseguirão ter uma vida adulta saudável, as exceções que confirmam a regra, vale lembrar que os dados de maturação das áreas do nosso freio inibitório também têm enorme variação entre os indivíduos. Logo, o argumento da variabilidade vale para os dois lados!

Desafio: evitar o reducionismo

Já dizia Aristóteles que o todo é mais do que a soma das suas partes. Logo, o desafio é como encaixar os dados da neurociência numa questão que transcende os limites da mesma, sem ser reducionista. A neurociência pode colaborar mostrando a importância do conhecimento das trajetórias do desenvolvimento do cérebro e de mecanismos neurobiológicos para subsidiar uma decisão. Entretanto, o debate da diminuição da maioridade penal deve-se abastecer de dados de outras vertentes como a sociologia e a criminologia.

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Nesse contexto, é preocupante que, no momento final da escrita dessa matéria, menos de 9.000 pessoas manifestaram-se a respeito da PEC 33/2012 no site oficial do Senado.  Para os curiosos, 85% dos votos a favor da redução da maioridade penal!

 

Letra de Médico - Luis Augusto Rohde
(Ricardo Matsukawa/VEJA)

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