Pele extremamente seca e áspera, coceiras incontroláveis e lesões inflamatórias que frequentemente evoluem com infecções, podendo resultar em febre e dor. Estes são alguns dos sinais e sintomas mais comuns da dermatite atópica, uma doença de pele crônica que está associada a um ônus físico e psicossocial substancial.
Trata-se de uma condição que, em suas versões mais graves, afeta consideravelmente a qualidade de vida dos pacientes (e familiares) quando não controlada adequadamente. Se é um desafio para adultos, que dirá quando o diagnóstico ocorre na infância?
No Brasil, a prevalência da doença é de 1,9% a 6,9% em crianças e adolescentes, podendo atingir até 20% do público em idade escolar. O problema é responsável pela perda média de 26 dias de aula por ano entre adolescentes de 14 a 17 anos.
Uma das principais barreiras para a criança e sua família durante a jornada da dermatite atópica é a privação do sono. Em casos mais graves, a coceira não cessa, o que deixa a criança desconfortável para dormir, o que compromete não só as noites de descanso, mas a rotina e a produtividade de pais e cuidadores.
Em 45% dos casos, a coceira e as lesões têm características específicas. Na infância, manifestam-se principalmente na face, poupando a região central, como o nariz, nas dobras dos braços e pernas, nas nádegas e no pescoço. Os sintomas costumam surgir nos primeiros 6 meses de vida, em 60% durante o primeiro ano e, em 85% dos casos, antes dos 5 anos.
Estima-se que cerca de 75% das crianças com dermatite atópica irão apresentar melhora entre os 10 e os 14 anos, mas 25% podem persistir com a doença na adolescência. No caso das crianças mais velhas, a doença atinge especialmente as dobras dos braços, pernas, nádegas e pescoço. Já em crianças de 3 meses a 2 anos de idade, a face e o couro cabeludo são os mais prejudicados .
A maior parte dos pacientes manifesta o tipo mais leve da doença e consegue controlar os sintomas com hidratação efetiva e uso de corticoides tópicos nas lesões. Dessa forma, o quadro tende a ser menos agressivos, com menor impacto na qualidade de vida.
Mas a parcela dos pacientes pediátricos que possuem a forma grave da doença sofrem de coceira crônica, muitas vezes sono interrompido, hospitalizações, além de estigmatização devido as lesões visíveis na pele. Há inclusive um aumento significativo de transtornos mentais como ansiedade, depressão e ideação suicida.
A socialização desses jovens se torna um desafio extra – muitos sofrem bullying e são excluídos dos grupos de colegas pela suposição incorreta de que a dermatite atópica é uma doença contagiosa. Não raro, a prática de atividades comuns como esportes ao ar livre, como uma aula de educação física, uma caminhada na praia ou mergulho na piscina, pode se tornar um pesadelo para quem tem as formas mais graves da condição. Inclusive porque o contato com o suor excessivo pode agravar a coceira e as marcas no corpo.
Diante disso, é essencial estabelecer um tratamento efetivo e um arsenal terapêutico robusto para mitigar os sintomas. As opções de terapia avançada cobertas pelos planos de saúde atualmente são indicadas somente para a população adulta, deixando os pacientes pediátricos desassistidos.
A boa notícia é que a Agência Nacional de Saúde Complementar (ANS) está avaliando a inclusão de um novo tratamento biológico para bebês com mais de 6 meses, crianças e adolescentes menores de 18 anos com dermatite atópica grave na lista de cobertura obrigatória pelos planos de saúde.
Se encorparmos o arsenal de tratamentos para essa doença tão complexa, estaremos oferecendo a crianças e jovens a oportunidade de desfrutar de suas vidas de forma mais plena, saudável e feliz.
* Silvia Soutto Mayor é dermatologista e médica responsável pelo Setor de Dermatologia Pediátrica da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo