Apesar de a incidência da doença isquêmica do coração, que leva ao infarto, ter diminuído no Brasil nos últimos vinte anos, ela ainda é a principal causa de mortes no país, sendo responsável pelo aumento dos óbitos de mulheres de 35 a 54 anos. Os dados constam do último Posicionamento sobre Doença Isquêmica do Coração – A Mulher no Centro do Cuidado, documento da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).
O levantamento também apurou que as mulheres são as mais vitimadas por um tipo de ataque cardíaco sem a obstrução das artérias coronárias, aquelas que alimentam o coração — quadro conhecido em inglês pela sigla MINOCA (Myocardial Infarction and Nonobstrutive Coronary Arteries).
Outro achado de estudos recentes é a significativa mortalidade feminina durante a cirurgia de revascularização do miocárdio (RVM), indicada quando há artérias obstruídas, criando-se um novo caminho para o sangue chegar ao coração. De acordo com as estatísticas, as pacientes submetidas ao procedimento apresentam mais complicações pós-operatórias na comparação com os homens, sendo que as mais jovens, abaixo dos 50 anos, têm três vezes mais risco de morrer.
Ao analisarmos a saúde cardiovascular do ponto de vista geográfico no país, notamos disparidades provavelmente ocasionadas pela disponibilidade de recursos e tratamentos – ou pela falta deles – em cada localidade. Um exemplo é a taxa de infartos agudos fatais no país, que diminuiu 44% nos últimos vinte anos.
Mas essa baixa não foi regionalmente igualitária: enquanto no Sul a queda foi de 85%, no Sudeste de 68% e no Centro-Oeste de 35%, no Nordeste houve alta de 11% e no Norte, elevação de 5%. Entre as mulheres que viviam nas capitais, a diminuição das ocorrências de infarto foi de 49% enquanto nas demais cidades a queda foi de apenas 23%.
As condições tradicionais que predispõem às doenças coronarianas – hipertensão, obesidade, colesterol elevado, diabetes, tabagismo e sedentarismo – são mais evidentes nas mulheres diagnosticadas com isquemias cardíacas em relação aos homens. Também se observam mais fatores de risco considerados não tradicionais, como estresse, depressão e doenças autoimunes entre as pacientes.
Mulheres ainda estão exclusivamente sujeitas à doença hipertensiva da gestação, diabetes gestacional e aos males do tratamento do câncer de mama.
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Embora mais predispostas às doenças cardiovasculares, elas são menos submetidas a exames como coronariografia e a procedimentos cirúrgicos. Além disso, pesquisas descritas no Posicionamento da SBC mostram que menos de 50% tomam remédio quando prescrito.
O acúmulo de funções e o excesso de preocupações com a família tendem a fazer com que as mulheres se coloquem em segundo plano se o assunto é saúde, o que pode explicar esse cenário. Outro agravante é que são elas as maiores vítimas das desvantagens sociais devido a raça, etnia e renda, circunstâncias que chegam a impedir a busca por tratamento ou até a atenção aos sintomas. A procura por ajuda tardiamente justificaria a maior mortalidade hospitalar por causas cardiovasculares.
O Dia Internacional da Mulher, 8 de março, nos lembra historicamente da falta de equidade social, econômica e comportamental frente aos homens. E é uma boa oportunidade para refletirmos sobre essa realidade desigual que merece ser corrigida com ações específicas desenvolvidas a partir das características da saúde feminina.
A receita para combater tantos problemas graves é tão simples quanto eficaz e vale para ambos os sexos: atividade física na rotina, alimentação balanceada, não fumar e controlar os parâmetros de pressão arterial e diabetes com exames regulares e acompanhamento médico. E, justamente por serem mais suscetíveis, as mulheres devem estar duplamente atentas aos sinais físicos e emocionais que deflagram as doenças do coração, bem como se cuidar diante de situações como ansiedade, depressão e qualquer tipo de abuso. Isso é tão necessário quanto controlar a pressão ou o colesterol.
As mulheres não devem se esquecer de si — inclusive quando falamos literalmente do coração.
* Maria Cristina Izar é cardiologista, presidente da Socesp e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)