Dentre tantas incongruências e impropriedades da administração pública brasileira neste ano de 2021, o cancelamento do Censo desponta como a materialização formal e quase inacreditável da transgressão da razão e do total equívoco na elegibilidade das prioridades e na priorização das medidas estratégicas indispensáveis para formatar qualquer projeto estratégico da gestão pública. Afinal, quem em sã consciência pode imaginar a possibilidade de produzir um diagnóstico mínimo da realidade sem conhecer os dados, os números? Sem ter à mão informação fidedigna e de qualidade que permita, na máxima de Auguste Conte, conhecer para prever?
Isto, em tempo de regularidade, em tempo de normalidade rotineira. E quando estamos diante de um acontecimento, de uma hecatombe de saúde pública imponderada e brutalmente destrutiva, cujas manifestações, impactos e repercussões são desconhecidos e imprevisíveis?
O corte de 96% no orçamento do IBGE para realizar o Censo e que transformou 2 bilhões de reais originais em 71 milhões finais, é extremamente esclarecedor para mostrar a falta de coerência, priorização e direção da gestão pública governamental. Quando se acrescenta que tudo isso foi elaborado no âmbito do Congresso Nacional com a ação e omissão dos nobres parlamentares e a complacência ou cumplicidade do Ministério da Economia, fica mais fácil entender que o Brasil, além de não ser para amadores também não é para pessoas responsáveis e que tenham zelo e compromisso com o bem e prioridades públicas.
Realizar o Censo no curso de uma pandemia já seria um acontecimento que exigiria esforço e capacidade extraordinária de logística e empatia com as pessoas. Postergá-lo para um momento mais adequado seria perfeitamente compreensível. Mas cancelar, eliminar, abolir o censo e impedir a produção das informações que irão conhecer e balizar a realidade do país pós-pandemia é um crime de lesa pátria.
Mais do que falta de senso, o cancelamento do Censo, além de escancarar a incapacidade de organização e gestão da administração pública da atualidade, convida a todos para refletir sobre as verdadeiras e reais motivações que possa tornar compreensível e explicável a decisão de cortar recursos indispensáveis e imprescindíveis para produção de informação relevante e insubstituível.
Sem as informações únicas do singularíssimo censo que inventariará o impacto, as variações e as repercussões da pandemia nos mais diversos e sensíveis espectros, tornará-se impossível conhecer o retrato fiel e produzir as medidas e o caminho eficaz para reconstrução da normalidade da vida social, o que colocará sob risco de lesão e danos irreparáveis os cidadãos, a sociedade e o próprio Estado.