É clara a mensagem embutida na decisão de afastar o governador Ibaneis Rocha, do Distrito Federal, tomada no início da madrugada desta segunda-feira (9) pelo juiz Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal: acabou tolerância institucional com a intolerância política demonstrada pelas forças de extrema-direita aglutinadas em torno de Jair Bolsonaro.
Não há mais espaço, avisou Moraes ao interditar o governador do DF, para a “ignóbil política de apaziguamento”. A insurreição em Brasília, na tarde de domingo (8), com invasão do Congresso, do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto, foi crime anunciado, planejado, organizado e financiado.
Nas palavras de outro juiz do STF, Gilmar Mendes, foi “um complexo plano criminoso” para “abolir, violentamente, o estado democrático de direito. Se alguns executaram, outros financiaram, ele diz, pouco importa — “todos precisam ser punidos”.
O governador do Distrito Federal se tornou o primeiro político com mandato abatido no contragolpe. Afastado por três meses, vai enfrentar pelo menos dois processos — um criminal e outro de impeachment.
Reeleito pelo MDB em primeiro turno (com 53% dos votos), Ibaneis Rocha mal completou uma semana do segundo mandato. Será substituído pela vice, Celina Leão, do Partido Progressistas, que compôs o esteio parlamentar do governo Bolsonaro.
Foi punido por “conduta dolosamente omissiva”, segundo Moares, em descaso e conivência só comparável ao de Anderson Torres, secretário de Segurança do DF.
Torres foi ministro da Justiça de Bolsonaro. No domingo, estava na Flórida visitando o antigo chefe, a 3,5 mil quilômetros de distância do caos em Brasília. Foi demitido pelo governador e pode vir a ter prisão decretada ainda nesta semana.
Ambos decidiram não prevenir nem reprimir a insurgência que bolsonaristas radicais haviam programado para três dias, com ampla divulgação em redes sociais. Recusaram pedidos do governo, do STF e do Congresso para montagem de um plano de segurança. Deixaram a Esplanada dos Ministérios aberta ao vandalismo.
“Absolutamente nada”, escreveu Moraes na decisão sobre Ibaneis, “justifica e existência de acampamentos cheios de terroristas, patrocinados por diversos financiadores e com a
complacência de autoridades civis e militares em total subversão ao necessário respeito à Constituição Federal”.
O governador e o ex-secretário de Segurança do DF não devem ser os únicos. Foram identificados mais de três dezenas de políticos, com e sem mandato, e de empresários que apoiaram e financiaram a organização grupos golpistas em vários Estados. Houve, também, participação de militares da ativa e da reserva.
Ficaram expostas falhas graves na guarda das sedes do governo, do Judiciário e do Congresso. Foi notável, também, a inércia dos comandos militares responsáveis pela proteção dos Três Poderes.
Há, ainda, claros indícios de vazamento de informações de segurança como a localização exata, dentro do Palácio do Planalto, do armamento dos integrantes do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da presidência. Armas foram roubadas.
Ficou evidente o desmoronamento da tática institucional de contemporização com o extremismo, cujo histórico das últimas três semanas incluía grande tumulto no centro de Brasília e uma tentativa fracassada de atentado terrorista no aeroporto da capital. Os dois ataques foram organizados em acampamento mantido há mais de dois meses dentro da área de jurisdição do Exército.
Por causa dessa moldura golpista, o juiz Moraes insistiu no fim da paciência institucional na decisão da madrugada desta segunda-feira. Lembrou: “Como ensinava Winston Churchill, ‘um apaziguador é alguém que alimenta um crocodilo esperando ser o último a ser devorado’”.