Assine VEJA por R$2,00/semana
Imagem Blog

José Casado Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Por José Casado
Informação e análise
Continua após publicidade

O preço do delírio

Desvario golpista de Bolsonaro vai deixar sequelas na vida política

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 16 fev 2024, 09h56 - Publicado em 16 fev 2024, 06h00

Uma das peculiaridades da trama em que se enredou Jair Bolsonaro é a rarefeita adesão da elite empresarial. Até onde as investigações já permitem ver, foi escasso o engajamento de empresários.

Houve, sim, um grupo simpático aos apelos do capitão. Alguns produtores rurais de São Paulo, Minas e do Centro-Oeste, por exemplo, começam a ser expostos como financiadores. Ampla maioria do setor privado, porém, manteve-se à distância do golpismo. Empresas relevantes nos segmentos econômicos de grande concentração de capital — finanças, agronegócio, mineração e comércio — foram além: decidiram ficar na contramão, financiaram, subscreveram e publicaram manifestos públicos em defesa do regime democrático.

Para os mais cínicos, entre a “bíblia” bolsonarista e a “ameaça” lulista, a elite empresarial achou mais produtivo concentrar atenção na ciranda financeira pós-pandemia, no jogo a dinheiro sobre a escalada dos juros administrados pelo Banco Central. Mais relevante, talvez, tenha sido a mudança dos ventos: o extremismo bolsonarista se tornou radioativo e, pela própria natureza, ruim para os negócios.

No século passado, conspirações para golpes de estado decolavam sob impulso do ativismo empresarial e com o patrocínio de grupos interessados em obter privilégios estatais nas disputas por mercados. Foi assim há 60 anos, quando empresários se juntaram a generais viciados em sedições, organizaram e financiaram o golpe contra o governo constitucional de João Goulart, um latifundiário gaúcho visto na Casa Branca como ameaça comunista. Sustentaram o regime autoritário e contribuíram com órgãos da repressão política.

Grandes empresas e a então influente Federação das Indústrias do Estado de São Paulo atravessaram o regime autoritário celebrando êxitos episódicos em reservas de mercado danosas ao desenvolvimento, como foi o caso da proibição de importação de computadores e softwares.

Continua após a publicidade

Ampararam a multiplicação de lucros na produtividade em decretos do regime e remeteram seus impasses trabalhistas à arbitragem dos órgãos de segurança. A violenta repressão aos protestos salariais de 1968 em Contagem (MG) e Osasco (SP) foi facilitada quando diretores das empresas entregaram as plantas das fábricas aos comandantes das tropas de choque. O relacionamento fluiu até o ocaso da ditadura. A incorporação de oficiais militares às folhas de pagamento foi uma das formas de garantir linha direta com o aparato de repressão.

“Desvario golpista de Bolsonaro vai deixar sequelas na vida política”

Houve, também, civis agregados em missões permanentes. Entre 1971 e 1978, por exemplo, a Fiesp manteve um mensageiro em visitas periódicas ao Departamento de Ordem Política e Social. Identificado como “Dr. Geraldo” nos livros de entrada do Dops, Geraldo Resende de Mattos era auxiliar do industrial Nadir Dias de Figueiredo, um dos fundadores da entidade e figura ímpar no empresariado paulista. Durante sete anos, ele frequentou as seções de Política e de Informações, três a quatro vezes por semana e sempre no final do expediente.

Seis décadas depois da bem-sucedida conspiração civil-militar contra o governo Goulart, é notável a insuficiência de adesão da elite empresarial à empreitada golpista de Bolsonaro e dos seus generais palacianos, coordenados por Walter Braga Netto, candidato a vice-presidente na disputa eleitoral de 2022. As razões parecem tão óbvias que flertam com a irrelevância, e, por isso mesmo, merecem autópsia rigorosa dos historiadores.

Continua após a publicidade

Bolsonaro teve apoio minoritário do agronegócio, da mineração e do comércio e, indicam os inquéritos, acabou restrito ao uso da estrutura estatal e dos recursos públicos — do governo e do Partido Liberal — para sustentar a aventura que, agora, tende a deixá-lo imobilizado por alguns anos no banco dos réus do Supremo Tribunal Federal. Na companhia de filhos, deputados, senadores, generais, coronéis e auxiliares civis, realizou a proeza de conspirar para se enquadrar numa inédita coletânea de crimes contra a Constituição e o Estado.

Haverá sequelas. Antigos aliados no Centrão apostam na condenação dele e de todos os envolvidos, incluída a liderança do Partido Liberal. Puro palpite, mas, nessa hipótese, o Supremo estaria diante do renovado dilema sobre o que fazer em processos criminais contra um ex-presidente. Juízes em Brasília sugerem que a execução da sentença de Fernando Collor, já condenado por corrupção a oito anos e dez meses de prisão, deve orientar a conduta do tribunal no caso Bolsonaro.

O desvario golpista no Palácio do Planalto vai custar caro à vida política brasileira. Por longo tempo.

Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

Continua após a publicidade

Publicado em VEJA de 16 de fevereiro de 2024, edição nº 2880

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.