Cem metros separam a sala de Jair Bolsonaro, no terceiro andar do Palácio do Planalto, do escritório de Hamilton Mourão, no prédio anexo. No entanto, convivem a anos-luz de distância desde a campanha de 2018.
Se afastaram mais, a cada dia das últimas 64 semanas, desde que o presidente entregou ao vice o comando do Conselho da Amazônia – organismo semimorto na estrutura burocrática durante um quarto de século, ressuscitado no ano passado como vitrine da política de conservação da floresta amazônica.
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Bolsonaro e Mourão não se aturam, não ocultam a desconfiança mútua e não se entendem sobre a Amazônia, o Brasil ou o mundo. As queixas, agora diárias, expõem uma crise avançando no centro do poder.
Vetado por Bolsonaro numa reunião ministerial, pela terceira vez neste ano, o vice insatisfeito terminou a semana repetindo em público avisos sobre a sua paciência.
“Eu sempre falo que a gente tem de estar baseado em um tripé: clareza, determinação e paciência” — disse Hamilton Mourão, por exemplo, em conversa com os repórteres Felipe Frazão e Andreza Matais, do Estadão, sobre suas relações com Jair Bolsonaro. Acrescentou: “Estou exercendo a determinação e paciência agora.”
O vice já havia dado a impressão de que está à beira do rompimento durante um encontro com integrantes do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), na quinta-feira passada. Ele se elegeu vice e pretende disputar o Senado pelo PRTB, no próximo ano.
Paciência é a arte de esperar, mas Mourão tem a pressa de quem preside o Conselho da Amazônia e espera, no mínimo, chefiar a delegação brasileira na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas em Glasgow, na Escócia, em novembro.
Essa reunião de cúpula é relevante para o Brasil, entre outras razões, porque vai definir as bases de um mercado global de carbono, fundamental para negócios na Amazônia.
Pelo formato da conferência, cada país é representado por delegações, lideradas pelo Ministro do Meio Ambiente e seus negociadores. No caso brasileiro, os negociadores costumam ser diplomatas, técnicos dos Ministério do Meio Ambiente e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.
Uma peculiaridade do governo Bolsonaro, nesse contexto, é ter conseguido se tornar alvo do ativismo ambiental por causa da hostilidade com as organizações não governamentais e, sobretudo, dos sucessivos recordes de destruição da floresta amazônica nos últimos 29 meses.
Quando Bolsonaro entregou a Mourão o conselho amazônico, em fevereiro do ano passado, sabia que estava nomeando alguém que não poderia demitir, porque vice-presidente da República é indemissível.
Por não confiar no vice, cultivou a ambiguidade de poder na área ambiental, instigando o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ao contraponto permanente com Mourão na política para a Amazônia.
Salles, porém, acabou confinado nas investigações sobre contrabando de madeiras amazônicas em andamento no Brasil e nos Estados Unidos. Se descredenciou como porta-voz do Brasil em discussões ambientais por escassez de credibilidade e, consequentemente, de audiência.
Bolsonaro pode optar por substituir Salles numa reforma ministerial como a que tem sido sugerida por aliados ávidos, agrupados no Centrão. O problema com o vice permanece.
Se não faz de Mourão o porta-voz brasileiro na conferência da ONU, corre o risco de caracterizá-lo como um “vice decorativo”, como definiu o antecessor Michel Temer na carta de dezembro de 2015, ao justificar o rompimento com Dilma Rousseff.
Como Temer, Mourão poderá esgrimir com o próprio rigor na “lealdade institucional”, exigida no artigo 79 da Constituição, e, eventualmente, lembrar o fato de ter sido relegado por Bolsonaro à posição de “mero acessório, secundário, subsidiário” no governo para o qual ambos foram eleitos.
A ruptura pode custar mais caro para o presidente do que para o vice — até agora o general aposentado politicamente mais bem sucedido num governo que adotou a moldura militarista como premissa do seu marketing eleitoral.