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Informação e análise
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Lula levou a crise da ditadura de Maduro para dentro do Planalto

Com um histórico de apoio ao chavismo e de alergia à oposição venezuelana, o governo Lula vê o custo político dessa crise superar as próprias expectativas

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 30 jul 2024, 19h12 - Publicado em 30 jul 2024, 08h00
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  • Lula realizou uma proeza política: levou a crise da ditadura de Nicolás Maduro para dentro do seu gabinete no Palácio do Planalto. Fez isso no sábado (27/7) quando despachou para Caracas seu assessor de política externa, Celso Amorim, visto como chanceler de fato no Palácio Miraflores, centro de negócios da cleptocracia venezuelana.

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    Aos 82 anos, Amorim acumula quase seis décadas de experiência na diplomacia. Chefiou o Itamaraty por três vezes. E tem 45 anos de credenciais partidárias — foi do MDB na redemocratização ao PMDB até 2009, e, desde então, está filiado ao Partido dos Trabalhadores.

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    Lula e Amorim são sócios numa narrativa ideológica envelhecida, na qual a Venezuela do falecido coronel Hugo Chávez e de seu sucessor Maduro é um campo de batalha pós-Guerra Fria para conter o avanço do imperialismo dos Estados Unidos no continente.

    Estão completando 21 anos de aliança com o chavismo e com o silêncio obsequioso da esquerda sul-americana sobre o colapso da democracia e a destruição econômica do país vizinho ao norte, onde o regime ditatorial de Maduro provoca a maior crise migratória da história recente — os números do êxodo variam, dependendo da fonte, entre 2,5 milhões e 6 milhões de venezuelanos.

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    Em 2003, Lula e Amorim apostaram na obediência de Chávez à “natural” liderança brasileira. Foram surpreendidos pelo verbo e pela verba do coronel venezuelano, golpista (1992) e sobrevivente de um golpe (2001). Ele usou petrodólares como arma política, vendeu a baixo preço para Cuba, Nicarágua e alguns outros países da América Central, financiou campanhas eleitorais da Patagônia ao Rio Grande, e se legitimou como líder regional.

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    Chávez uniu-se a Néstor Kirchner, então presidente da Argentina. Juntos, desmontaram o principal projeto continental dos EUA, a área de livre-comércio (Alca). Na sequência, tomaram de Lula o comando da União de Nações Sul-Americana (Unasul), principal iniciativa diplomática de Brasília na época, imaginada como contraponto à influência de Washington em organismos como a Organização dos Estados Americanos (OEA).

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    Lula insistiu em ampliar laços com Caracas. Acreditou na parceria com Chávez, via a estatal de petróleo PDVSA, e induziu a Petrobras a investir na refinaria pernambucana de Abreu e Lima — homenagem ao brasileiro que esteve com Simon Bolívar nas guerras de independência. O projeto começou com orçamento de 2,5 bilhões de dólares, já engoliu 18 bilhões de dólares. A refinaria está inacabada e a estatal venezuelana nunca aportou um centavo no empreendimento.

    Lula, Amorim e a cúpula do PT ajudaram Chávez e o sucessor Maduro em campanhas eleitorais. Lula chegou a interferir diretamente em eleições venezuelanas, participando de comícios de Chávez.

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    (./VEJA)

    Quando ele morreu, em 2013, Lula estava fora do poder, mas mobilizou o governo Dilma Rousseff, o PT e empresários amigos para apoiar a eleição de Maduro como sucessor. Ele recebeu quase 35 milhões de dólares em “auxílios” da empreiteira Odebrecht que, na época, mantinha contratos com o governo para obras num valor superior a um bilhão de dólares.

    Odebrecht distribuiu cerca de 115 milhões de dólares a políticos locais, do governo e da oposição. Pagou até os gastos com a equipe brasileira de marketing político, indicada por Lula e em parte integrada por assessores petistas. Em pelo menos um caso de brasileiros na campanha, relatado na Justiça brasileira, Maduro fez questão de pagar pessoalmente: 800 mil dólares, em dinheiro vivo. Outras empresas contrataram dirigentes petistas como consultores para o “clima de incertezas” da Venezuela.

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    Em abril de 2013, o Conselho Eleitoral chavista proclamou a eleição de Maduro com 50,6% dos votos, contra 49,1% atribuídos ao candidato da oposição Henrique Capriles. Na contabilidade oficial, a diferença foi de cerca de 220 mil votos entre 19 milhões de eleitores registrados, com 79,7% de comparecimento nas urnas. A oposição protestou, porque mais de um milhão de votos deixaram se ser contabilizados. O governo Dilma Rousseff rapidamente avalizou a legitimidade da vitória de Maduro.

    Na eleição presidencial seguinte, em maio de 2018, os partidos da oposição decidiram não participar. Maduro, na prática, disputou contra si. O Conselho Eleitoral chavista proclamou-o vencedor com 67,8% da votação. Pelos números oficiais, saiu das urnas com 1,4 milhão de votos a menos que havia obtido cinco anos antes.

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    A eleição foi aplaudida pelo PT e aliados no Brasil, mas repudiada, formalmente, por não ter sido “democrática, livre, justa e transparente”, pelos governos do Brasil, Argentina, México, Estados Unidos, Europa e dezenas de outros países — entre, eles Canadá, Austrália, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Honduras, Panamá, Paraguai e Peru.

    Sábado passado, quando Lula mandou o embaixador Celso Amorim a Caracas, completava-se uma década de eleições protagonizadas por Maduro sob suspeita constante de fraudes. As evidências de veloz derretimento da ditadura venezuelana são múltiplas e surpreendem até antigos aliados da cleptocracia chavista.

    Maduro atua como síndico de um condomínio de poder fragmentado no palácio e nos quartéis e desgastado nas ruas. Um dos mais antigos líderes chavistas, Diosdado Cabello, militar aposentado e vice-presidente do partido governista (PSUV), luta por fatias do governo com os irmãos Jorge e Delcy Rodríguez. Ele é presidente da Assembleia Nacional e chefiou a campanha de Maduro. Ela é vice-presidente do país, ex-chanceler e ex-ministra da Economia. Convergem na ambição de suceder Maduro.

    Juntos, controlam o Legislativo, o Judiciário, o Ministério Público e o Conselho Eleitoral — dependente da empresa privada Ex-Cle Soluções Biométricas que opera um sistema de votação com máquinas e software chinês, importado via Irã e com faturas pagas no sistema financeiro russo.

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    Há quatro anos o Departamento do Tesouro dos EUA congelou ativos dessa empresa por “fraude” na reeleição de Maduro. Entre seus principais dirigentes está um empresário argentino, Guillermo Carlos San Agustín, associado a dois venezuelanos ligados ao regime, os consultores Marcos Javier Machado Requena e Carlos Enrique Quintero, militar e antigo chefe do Conselho Eleitoral chavista.

    No domingo, Maduro autoproclamou-se vencedor da eleição com 51% dos votos. A oposição contesta, diz que venceu com 63%. O Conselho Eleitoral chavista anunciou que havia contado 80% das urnas — e nada mais disse, além de confirmar a reeleição. Uma coletânea de irregularidades contaminou, mais uma vez, o processo eleitoral venezuelano.

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    (./Reprodução)

    Com evidente erosão no apoio interno e externo, Maduro decidiu romper relações com Argentina, Chile, Costa Rica, Ecuador, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e República Dominicana.

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    Tendo levado a crise para o seu gabinete, Lula viu-se à frente de um cenário de fragmentação continental sob ameaça de emergir como principal avalista da continuidade da cleptocracia e com um histórico de alergia à oposição venezuelana — levou um mês para manifestar em público discordância com o veto à candidatura de María Corina Machado e rejeitou todas as suas tentativas de contato.

    O embaixador Amorim manteve-se limitado às conversas com uma fração de opositores, onde se destaca o ex-deputado Gerardo Blyde, que chegou a acompanhá-lo em encontros com Maduro. Blyde é sócio num escritório de advocacia do empresário José Simón Elarba, do segmento de coleta de lixo, que é reconhecido em Caracas pela proximidade com Cilia Flores, esposa de Maduro.

    Gerardo Blyde, ex-deputado venezuelano
    Gerardo Blyde, ex-deputado venezuelano (./Reprodução)

    Seus principais negócios se orientam no apoio de consultoria a empresas chinesas de telecomunicações, como a China National Electronic Import & Export Corporation e a ZTE Corporation, contou o repórter Marcos David Valverde na revista eletrônica Armando.info. A China foi um dos poucos países, com a Rússia, Cuba e Nicarágua, a reconhecer a “vitória” de Maduro.

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    Há sinais de fadiga no governo Lula com a cleptocracia venezuelana. É possível entender como indício a exigência, em comunicado do Itamaraty, de divulgação detalhada dos boletins de urnas. Mas, entre Brasília e Caracas, ninguém aposta um bolívar que isso vá acontecer nem que vá mudar qualquer coisa.

    O que está sendo feito desde a noite de domingo, como nas eleições anteriores, assemelha-se a um jogo de paciência, à espera de um desfecho imprevisível. O custo da crise que Lula levou para o Planalto, no entanto, já superou as expectativas do próprio governo.

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