Lula assumiu risco de confronto com Lira, e ambos perderiam
Na Câmara, prevalece a versão de suposta "interferência" de Lula no voto do juiz Ricardo Lewandowski, que decidiu o placar do STF contra o orçamento secreto
Arthur Lira perdeu, Lula ganhou. Essa foi a primeira impressão do resultado do julgamento do orçamento secreto no Supremo Tribunal Federal.
O problema é que, como no futebol, jogo só acaba quando termina. E, no caso, mal começou.
Disseminou-se no Congresso a percepção de “interferência” de Lula no placar do STF contra interesses da maioria parlamentar dependente da negociação de Lira para manter intactas as emendas parlamentares no orçamento de 2023. São R$ 8 bilhões pendentes e outros R$ 19 bilhões a pagar durante o ano.
Há 50 dias Lira e Lula tentam se acertar. Lira quer manter privilégios orçamentários da centena e meia de parlamentares que lidera. Acha importante para se reeleger na presidência da Câmara em fevereiro.
O chefe do futuro governo quer gastar R$ 200 bilhões por ano, na primeira metade do mandato, livre dos limites de controle fiscal estabelecidos em lei.
Estavam no rumo de um entendimento. Lira prometera aprovar a PEC da Transição com margem de manobra no orçamento de 2023 suficiente para Lula começar a governar com sólida base parlamentar.
Em troca, recebeu do futuro governo promessa de apoio do PT à sua reeleição na Câmara, pagamento de emendas do orçamento secreto e alguns dos 37 ministérios para os novos aliados.
A decisão do Supremo de declarar o orçamento secreto inconstitucional era previsível, e até contornável nas alternativas desenhadas por Lira e Lula.
Aconteceu, porém, um curto-circuito: Lira e vários parlamentares enxergaram uma quebra de acordo de Lula, com suposta “interferência” no voto do juiz Ricardo Lewandowski que decidiu o placar do julgamento no STF.
Se realmente aconteceu ou não, pouco importa no Congresso. Prevalece a versão. E ela não era nada favorável a Lula.
Por onde passou, Lira deixou a impressão de que, provavelmente, será fator de influência do “humor” dos deputados durante a votação da PEC da Transição na Câmara, marcada para hoje. Dela dependem as contas do novo governo que vai começar em dez dias.
Há quem veja nessa postura do presidente da Câmara uma evidência de fragilidade: “Errou o ‘timing’ da negociação, não entregou o que havia prometido e se perdeu na chantagem contra quem resolveu apoiá-lo na reeleição”, disse o senador Renan Calheiros a Murilo Fagundes, do Poder360. Renan e Lira disputam o poder em Alagoas.
O jogo continua. Lula assumiu risco de confronto com Lira, que pode optar por enfrentá-lo depois de fevereiro, quando espera ser reeleito. Nesse cenário, haveria mais perdas do que ganhos. Para ambos.
Existe a possibilidade de que, nesta terça-feira (20), a Câmara decida — com o discreto aval do Senado — tornar as emendas parlamentares impositivas, ou seja de pagamento obrigatório pelo futuro governo.
Tornar as emendas impositivas significa que elas passarão a ser de execução obrigatória, ou seja, terão que ser pagas. Hoje, as emendas do orçamento secreto não têm esse caráter. Equivaleria a um aviso de tempo instável no início de Lula- III.