O fiasco da insurreição militar na Bolívia indica uma novidade política na América do Sul: a exaustão do modelo de tomada do poder pela força.
“Faltou apoio”, contou o general Juan José Zúñiga, ex-comandante do Exército, em depoimento na prisão de La Paz no final da noite.
Havia um plano de sedição, relatou. Às 11 da manhã desta quarta-feira (25/6) unidades do Exército sairiam do quartel de Viacha, a 25 quilômetros do palácio presidencial, com cobertura da Força Aérea.
Na hora combinada, Zuñiga estava no Quartel-General, em uniforme de campanha e pistola no coldre, pronto para conduzir o movimento de assalto ao palácio como havia sido combinado.
Esperou por outros comandantes. Eles justificaram o atraso com a alegação de “dificuldades logísticos”, narrou na confissão gravada. Consultou a Força Aérea, recebeu idêntica resposta.
Três horas depois, Zuñiga decidiu ir à luta na solidão. Às 14h30 estava diante do palácio dando ordens para um blindado derrubar o portão principal. O veículo empurrou, a porta abriu e o general golpista entrou no palácio, acompanhado por alguns da tropa de choque.
Voltou minutos depois. A televisão mostrava, em tempo real, o general enfurnado no blindado, tropas à volta, todos esperando alguma coisa acontecer — e nada acontecia, além de gritos da multidão contida por escudos e cassetetes.
Carlos Eduardo del Castillo, ministro de Governo, saiu do palácio foi até o carro onde estava o general, que nem se incomodou em baixar o vidro da janela. Dedo em riste, cercado por microfones, Del Castillo gritou: “Saia daí, Zuñiga, e recolha a tropa!” Sem resposta, voltou ao palácio.
A tentativa de golpe acabou antes do jantar, com o general preso e levado a interrogatório. Disse que tudo não passou de um show, previamente combinado com o presidente Luís Arce, que teria pedido uma mobilização armada para um autogolpe — teoria fomentada há dias pelo adversário de Arce, o ex-presidente Evo Morales.
Tudo é possível na Bolívia que vai completar 199 anos de existência como nação independente, com um histórico de 193 golpes de estado. O último aconteceu há 43 anos, liderado pelo general traficante de cocaína Luis García Meza, com apoio de um grupo terrorista local, o Novios de la Muerte (Namorados da Morte), e financiado pela ditadura militar argentina.
Zuñiga tentou o golpe de número 194. Capitulou na solidão doméstica numa jornada marcada por uma novidade externa: a reação internacional rápida, harmônica e eficaz contra a ruptura da democracia.
Esse tipo de mobilização coordenada inibiu armações golpistas no Brasil durante a campanha eleitoral de 2022. E estimulou a reação institucional organizada em Brasília contra a insurreição no 8 de janeiro de 2023, que se desdobra em centenas de processos judiciais por atentado ao regime democrático.
Entre os acontecimentos em Brasília e em La Paz se passaram 19 meses. Ponderadas as diferenças, os dois casos sugerem a obsolescência do modelo de tomada do poder pela força na cena política sul-americana.