Jair Bolsonaro avisou, ontem, em reunião no Palácio do Planalto: “Temos um outro problema, pessoal. Eu vou avisar um ano antes: fertilizantes.”
Continuou, com pausas quase telegráficas: “Por questão de crise energética, a China começa a produzir menos fertilizantes. Já aumentou de preço. Vai aumentar mais. E vai faltar.”
Foi direto ao ponto, sucinto: “A cada cinco pratos de comida no mundo, um sai do Brasil. Vamos ter problemas de abastecimento no ano que vem.”
Presidentes, em geral, são pessoas bem informadas. Há semanas Bolsonaro recebe relatórios da Agricultura, do Itamaraty e da Secretaria de Assuntos Estratégicos sobre as consequências da escassez mundial de fertilizantes na produção brasileira de soja, milho, café e açúcar, entre outros produtos agrícolas, no ano que vem.
Para um presidente-candidato, o ano eleitoral que começa dentro de 12 semanas se anuncia com uma tempestade perfeita.
Previa-se uma campanha em ambiente de inflação, juros e desemprego em alta, com grande dose de incerteza sobre racionamento (ou apagão) de eletricidade. Soma-se, agora, a perspectiva de desabastecimento de alimentos, segundo Bolsonaro.
De forma objetiva, o presidente deu a dimensão da preocupação do candidato à reeleição: “Pedi agora uma pessoa nossa que trabalha nos Estados Unidos, no Itamaraty, bem como alguns embaixadores na Europa, [para] ir nos mercados, mostrar o que está acontecendo. Lá não é apenas inflação, está havendo desabastecimento.”
É paradoxal mas o Brasil, um dos maiores e mais rentáveis produtores agrícolas do planeta, vai começar o ano eleitoral num cenário de insegurança alimentar.
Faltam água e fertilizantes (nitrogenados, fosfatados e potássicos). Sem esses insumos é inevitável a queda de rendimento do solo usado para lavoura. As consequências são escassez de alimentos e alta de preços — não necessariamente nessa ordem.
As crises hídrica e de insumos básicos para a agricultura não são problemas novos.
A seca está aí há sete anos, segundo os registros oficiais, mas só virou tema relevante em Brasília no final do ano passado. A escassez de água ficou oculta do público, que acabou surpreendido no curto-circuito dos aumentos na conta de luz.
Palavras como “racionamento” ou “apagão” seguem proscritas na retórica governamental. Como ocorreu com a pandemia, no Palácio do Planalto teme-se mais os efeitos político-eleitorais da emergência do que a realidade, que é crítica.
O caso dos fertilizantes é outro exemplo da falta de falta de planejamento e coordenação na administração pública. Por escolha própria, a potência agrícola brasileira se tornou altamente dependente das importações. E isso não é obra exclusiva do governo Bolsonaro, foi construída na última dúzia de anos.
Em 2009, no governo Lula, o Brasil produzia 57 quilos de fertilizantes que consumia na agricultura. Ano passado, a produção doméstica representou apenas 16 de cada 100 quilos consumidos.
Essa opção preferencial por uma crescente dependência externa no abastecimento de insumos agrícolas essenciais foi adubada com múltiplas isenções fiscais aos produtos importados da China e da Bielorrússia; o alto preço doméstico do gás natural para fertilizantes nitrogenados; o abandono da pesquisa mineral de fosfato; e, o desprezo pela regulamentação para exploração dos depósitos de potássio já identificados na Amazônia.
Resultado: além da falta de água, o “celeiro do mundo” está refém de uma alta de 190% nos preços mundiais dos fertilizantes à base de potássio, de 100% nos fosfatados e de 90% nos nitrogenados.
Consultorias especializadas, como a StoneX, estimam que agricultores brasileiros tenham conseguido garantir cerca de 40% do estoque de fertilizantes necessário para o primeiro semestre. No Mato Grosso, principal produtor de grãos, muitos plantadores de soja compraram, não receberam e lidam com a perspectiva de queda na produtividade.
A confusão é grande o suficiente para levar o presidente-candidato a advertir, em público e com um ano de antecedência das eleições: vai ter “problema de abastecimento” de alimentos no ano eleitoral de 2022.