“Todo dia saem na rua um otário e um malandro. Se eles se encontram, sai um negócio.”
A frase (de autoria desconhecida e em tom de galhofa) nos remete a um tempo em que a malandragem atuava no varejo, pescando um “otário” aqui, outro ali. As vítimas eram, invariavelmente, pessoas incultas, desembarcando — desavisadas — nas rodoviárias da vida, ou sentados — desprevenidos — em praças públicas das grandes cidades do país.
Não raras as vezes o malandro conseguia aplicar o velho “conto do vigário”, em situações em que eram vendidos — literalmente — terrenos na Lua. Se a rodoviária fosse a do Rio de Janeiro, havia quem conseguisse vender o Corcovado, ou até o Pão de Açúcar, com bondinho e tudo…
Bons tempos.
Hoje os malandros não vão mais para as velhas rodoviárias. Eles acordam, fazem a barba, saem na rua e se filiam a partidos políticos, de onde concorrem a cargos eletivos, nos poderes Executivo e Legislativo, nos três níveis da administração pública: municipal, estadual e federal.
Eles já não se contentam mais com os caraminguás que conseguiam nos velhos golpes. Eles ambicionam viver como milionários. Querem ter casas nos Jardins ou apartamentos na Delfim Moreira. Outros querem ter fazendas com milhares de cabeças de gado.
E os otários, existindo atualmente na casa das muitas dezenas de milhões, se encontram com o malandro em um só momento: no dia das eleições, na solidão da urna eletrônica. Ali o conto do vigário do terceiro milênio se consuma. E o negócio que sai pode ser a prefeitura de uma das capitais do país.
A propósito, o que vemos hoje, nessas eleições municipais, são exemplos perfeitos desse flagelo que é a tomada bem-sucedida da política por golpistas, estelionatários e picaretas de todos os gêneros.
Há candidatos que excedem nessa seara, haja vista o que vem aparecendo na corrida para a prefeitura de São Paulo – a maior e mais rica cidade da América Latina.
Olhando por essa ótica, é absolutamente inacreditável a subida meteórica do ex-coach Pablo Marçal nas pesquisas de intenção de voto para a prefeitura da capital paulista. Seu discurso é a quintessência da empulhação. Não fala “lé com cré” e nem diz uma palavra sobre seu plano de governo, no caso de vitória nas urnas. Há até um vídeo na internet no qual Marçal aparece — durante um culto evangélico — tentando curar, obviamente sem sucesso, uma cadeirante paraplégica. Ele finge ser o que não é. Trata-se de um prestidigitador, um vendedor de fumaça com muitos milhões de seguidores.
Do outro lado dessa relação, de malandro vs otários, temos o povo, a sociedade. E em realidade observamos que o otário nada mais é do que aqueles (muitos) que não receberam educação e informação suficientes para bem conduzirem suas vidas e fazerem as melhores escolhas para si mesmos.
Por sinal, circula um vídeo na internet em que um entrevistador, nessa semana do 7 de Setembro, pergunta a jovens entre 16 e 20 anos o que se comemora na data em questão. Dezenas de moças e rapazes não souberam responder. Não faziam a mínima ideia da razão histórica do feriado e dos desfiles que o celebram.
Voltando aos vigaristas, fica evidente que só a educação formal pode blindar a população contra essas armadilhas. O baixo nível — que se aprofunda — da representatividade política da nossa sociedade fala muito mais acerca de nós mesmos do que sobre qualquer outra coisa; e a miséria da política brasileira está espelhando a nossa própria miséria.
Não por acaso, o relatório Education at a Glance, publicado nessa última terça-feira, dia 10 de setembro, pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mostrou que o Brasil vem gastando com educação, nos últimos nove anos, menos de um terço da média das economias mais desenvolvidas que compõem essa entidade.
Numa sociedade de massas como a nossa, na casa de duas centenas de milhões de pessoas, o esforço para elevar a média de educação da maior parte do eleitorado é tarefa de fato hercúlea. Não será fácil, mas muito mais difícil, e perigoso, será deixar as coisas como estão.
A propósito, a premonição do genial Nelson Rodrigues, que dizia que “os idiotas vão tomar conta do mundo, não pela capacidade, mas pela quantidade, por serem muitos”, acabará ocorrendo de maneira um pouco diferente: os idiotas, por serem muitos, vão permitir que os espertalhões, os mal-intencionados, tomem conta do mundo. Vão servir apenas como gado, como massa de manobra.
E a coisa começa assim: primeiro uma prefeitura de capital, depois um governo de estado e, finalmente, a Presidência da República. E esse filme não é tão inédito assim…
Ao fim e ao cabo, para variar, o problema vai desaguar em inquéritos a serem conduzidos pela Polícia Federal…
Por derradeiro, diante de tanta inércia na tomada de medidas efetivas para enfrentarmos essas questões, fica a velha pergunta: a crise na educação em nosso país seria um problema ou um projeto?