Quando Tóquio começou a ser enfeitada para receber os Jogos Olímpicos, mal sabíamos que aquele que poderia ser um ano glorioso para o Japão acabaria se tornando o que todos gostariam que acabasse logo. Nas ruas da metrópole, porém, 2020 perdura até hoje. Com a decisão de manter o fatídico ano no nome oficial do evento, as bandeirolas de Tokyo 2020 seguem hasteadas por toda parte — e, ainda que despertando sentimentos mistos, isso é o máximo que eu consigo sentir de “agitação” olímpica nas ruas.
Parece até aquele meme de expectativa versus realidade. Bandeiras de países decorando as varandas, multidões de torcedores circulando com rostos pintados, cantorias bêbadas nos vagões de trem. Bares e restaurantes apinhados de gente disputando os melhores assentos, de frente para os telões. Concorrendo com a narração da partida numa língua desconhecida por boa parte dos frequentadores, lá está ela: a vuvuzela. Muitos palavrões, palmas e gritos eufóricos depois, a vibração pela conquista, os abraços, os sorrisos. Aos desafortunados, o desapontamento diante da derrota. Mas nada que uma rodada de cerveja não sirva de consolo até a próxima competição.
Não, nada disso é o que vemos por Tóquio.
Em meio ao quarto estado de emergência declarado na metrópole desde o início da pandemia, os restaurantes funcionam somente até as 20 horas, sem poder servir bebidas alcoólicas. Reunir a galera para assistir às competições no bar da esquina, ainda que regado a chá gelado, também não rola. Para evitar aglomerações, o primeiro-ministro Yoshihide Suga recomendou que a população acompanhasse o evento pela telinha de casa.
Em Sangenjaya, bairro onde moro e que fica a cerca de 20 minutos de trem do estádio olímpico, o clima que paira no ar é de indiferença. Nos cafés e restaurantes, atendentes vestem seus uniformes costumeiros, anotam pedidos e repetem o habitual “Desculpa por te fazer esperar na fila”. No cardápio, nada de “café olímpico” ou de sobremesas nas cores das argolas. É só mais um dia do escaldante verão japonês.
Já nas redondezas das instalações olímpicas, conseguimos ver alguma movimentação, principalmente de torcedores de outras províncias que tinham ingressos para conferir os Jogos de Tóquio. Mesmo banidos de assistirem às competições de dentro das arenas, alguns fãs mantiveram os planos de viagem e aproveitam para passear pela cidade e tirar fotos em frente aos anéis olímpicos para ter alguma lembrança — meio amarga — do evento.
Parte dos moradores de Tóquio, porém, sentem esse clima de forma mais conflituosa. Impedidos de circular por seus caminhos rotineiros ou de frequentar lugares públicos convertidos em instalações olímpicas, amigos residentes dizem que a metrópole não é mais de todos. E que ela só será devolvida à sua população quando o espetáculo realizado a portas fechadas chegar ao fim.
Enquanto a competição segue rolando, a mim, resta ficar em casa e acionar o clima olímpico pelo controle remoto. O ar condicionado, pelo menos, é garantido.
Piti Koshimura mora em Tóquio, é autora do blog e podcast Peach no Japão e curadora da Momonoki, plataforma de cursos sobre o universo japonês. Amante de arquitetura e exploradora de becos escondidos, encontra suas inspirações nos elementos mundanos. (@peachnojapao | @momonoki_jp)