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Joel Coen reiventa Shakespeare no excepcional ‘A Tragédia de Macbeth’

Da concepção visual aos desempenhos estelares de Denzel Washington e Frances McDormand, não há faceta do filme que não seja admirável

Por Isabela Boscov Atualizado em 14 jan 2022, 18h34 - Publicado em 14 jan 2022, 06h00

— “E se falharmos?”, diz Macbeth.

— “Então falhamos”, replica Lady Macbeth, lançando seu ultimato.

Há 416 anos essas falas vêm sendo repetidas em incontáveis montagens teatrais e em pelo menos duas dezenas de filmes. Mas, no cinema ao menos, poucas vezes elas carregaram tintas tão pesadas de embriaguez e ressentimento, e uma urgência tão forte de um último recurso, quanto no desempenho formidável de Denzel Washington e Frances McDormand em A Tragédia de Macbeth (The Tragedy of Macbeth, Estados Unidos, 2021), que já está disponível na Apple TV+. No alto de uma torre, Macbeth e sua mulher conspiram, tecendo uma teia em volta deles mesmos para se enredarem, juntos, no propósito de matar Duncan, rei da Escócia, para que Macbeth assuma o trono. Como profetizado, Macbeth ganhou um novo domínio, Cawdor, em recompensa pela valentia demonstrada em batalha na defesa de Duncan. Então também a segunda parte do vaticínio, a de que ele será rei, deve ser verdadeira; e Lady Macbeth incita o marido a matar Duncan para assim apressar os acontecimentos — ou, mais que isso, para forçar a profecia a cumprir-se. (Outros assassinatos terão de ser perpetrados; Duncan tem um herdeiro, e foi dito ainda a Macbeth que os reis que o sucederão não nascerão dele, mas de seu amigo Banquo.)

A tragédia de Macbeth

Parte do peso da cena vem do fato de que os dois papéis principais da tragédia encenada pela primeira vez em 1606 não costumam ser entregues a atores na casa dos 60 anos, como Washington e McDormand; por tradição, eles são personagens mais jovens, ambiciosos por um futuro de glória e por, talvez, numa esperança remota, garanti-lo com o que ainda não têm — um filho. Aqui, entretanto, é o passado quem fala: a descendência que já se tornou biologicamente impossível, as décadas de serviço que parecem tardia e inadequadamente retribuídas, a cumplicidade conjugal longamente cimentada. Mais que ter a ganhar, estes Macbeth e Lady Macbeth sentem já não ter o que perder — uma inflexão acentuada por ainda outra escolha brilhante do diretor Joel Coen (marido e parceiro usual de McDormand e, pela primeira vez, trabalhando sem seu irmão Ethan). Quer seja, a de transformar as três feiticeiras que vaticinam a ascensão de Macbeth em uma única figura triplicada por seus reflexos na água ou pelas vozes diferentes com que fala. Torcendo-se em posições grotescas, empoleirando-se nas vigas do teto ou de pé, imóvel, a atriz Kathryn Hunter perturba e aterroriza com o que obriga o espectador a reconhecer, ainda que não se dê conta disso — que a imagem que Macbeth está vendo é, na verdade, a do seu rancor e seu agravo.

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Não há faceta deste Macbeth, na verdade, que não seja excepcional. A sensação de irrealidade em que o enredo transcorre começa pela fotografia em um preto e branco leitoso e difuso no fundo e cortante e ultranítido no primeiro plano, concebida para que os personagens surjam dessa indefinição e caminhem em direção à câmera até os rostos serem enquadrados em closes assombrosos, que lembram muito os de Ingmar Bergman em filmes como O Sétimo Selo. Nas paisagens esparsas, na qual só um ou outro elemento — uma árvo­re retorcida, um casebre arruinado — se destaca, ou em estruturas severas como o castelo de Macbeth, um conjunto brutalista de paredes maciças e ângulos duros, Coen toma do expressionismo alemão dos anos 1920 seu impacto inigualável.

A Tragédia de Hamlet

É um casamento ousado, e formidavelmente bem-sucedido, entre as linguagens do teatro e do cinema: ao mesmo tempo que cria um palco e um procênio, o diretor trata o elemento humano de maneiras que só ao cinema é possível. E, ao contrário do australiano Justin Kurzel na sua versão de 2015, que parecia querer poupar a plateia da poesia em pentâmetro iâmbico de Shakespeare — como se ela só pudesse causar dores de cabeça, e nunca prazer —, Coen a põe em relevo nas diferentes vozes de seu elenco e prova (se necessário fosse) que sempre há boas razões para adaptar Shakespeare: nas cadências fluidas e no sotaque americano de Washington, a música do verso parece nova e, como ela, também a violência terrível de Mac­beth, e a tristeza que o move.

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Publicado em VEJA de 19 de janeiro de 2022, edição nº 2772

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