
Veja aqui a vídeo-resenha
Da última vez em que foi visto, em 2007, Jason Bourne mergulhou num rio antes que o capturassem – e sumiu na noite e no mundo. O agente que em A Identidade Bourne (2002) fora pescado do Mar Mediterrâneo ferido e sem memória, e que em A Supremacia Bourne (2004) colocara a CIA em alerta vermelho com sua cruzada para descobrir seu passado, completava ali, em O Ultimato Bourne, o ciclo: conseguira trazer à tona e a público todos os detalhes tenebrosos do programa clandestino que o transformara em super-assassino. Com a cabeça mais a prêmio do que nunca, Bourne não poderia jamais reaparecer: ainda que a plateia implorasse por uma nova aventura, Matt Damon e o diretor Paul Greengrass haviam decidido duas coisas. Primeiro, que um não faria um Bourne sem o outro. Segundo, que simplesmente não havia razão para fazer mais um Bourne; a história chegara ao seu desfecho natural, e ela não terminava com ponto final, mas com reticências.
Promessas desse tipo existem para serem quebradas, claro. E Greengrass e Damon, ambos sujeitos muito engajados, viram um gancho irresistível nas transformações pelas quais a espionagem passou com as toneladas de arquivos jogados na rede pelo WikiLeaks de Julian Assange, e com os programas secretos de vigilância divulgados pelo analista da CIA Edward Snowden. Mais até do que o terrorismo, é isso que os serviços de inteligência temem hoje: ter suas operações clandestinas ou sigilosas reveladas.
É nesse mundo, portanto, que Jason Bourne despenca. Sobrevivendo incógnito em rinhas de luta em algum cafundó da Grécia, Bourne é contatato pela ex-analista da CIA Nicky (Julia Stiles), que se bandeou para o lado dos hackeadores de segredos: há muita coisa da sua história que ele ainda não sabe, diz Nicky – que assim deflagra mais duas horas de caçada incessante ao redor do mundo. Bourne, Nicky e o assassino da CIA interpretado por Vincent Cassel se esquivam uns dos outros em Atenas, Berlim, Londres, Roma, Las Vegas e Washington. Enquanto isso, no quartel-general da CIA, na Virgínia, Tommy Lee Jones e a sueca Alicia Vikander olham telas de computador, pedem imagens de satélite, mandam comandos sair à rua.
Ao final das duas horas, eu me senti como se tivesse ido junto na maratona. Até cãibra deu, e precisei ficar uns cinco minutos fazendo alongamento e ouvindo a música do Moby que fecha o filme. A sequência em Atenas é uma barbaridade: ela acontece durante um dos protestos anti-austeridade econômica que sacudiram a Grécia, enquanto as ruas vão sendo tomadas por multidões de manifestantes e tropas de choque. Se me dissessem que Greengrass filmou durante uma manifestação de verdade, eu acreditaria.
Mas, feitas todas as contas, foi mais adrenalina do que emoção. Não que se trate de uma adrenalina qualquer: Greengrass mudou o cinema com a ação suja e bruta de A Supremacia e O Ultimato, e há mais de dez anos é descaradamente copiado por todo mundo. Mas ainda é, sem dúvida, o melhor no que faz. O que falta em Jason Bourne é outra coisa: é um instante a mais no rosto de Damon, às vezes, para que você se lembre por que está lá – porque é palpável o desespero dele em não saber quem é, e porque saber pode ser ainda pior. E porque, quando Bourne entra em modo operacional e Matt Damon faz você sentir a máquina que ele vira, juro – não há perseguição no mundo que possa ser mais eletrizante do que isso.