As chuvas intensas registradas em diferentes regiões no Brasil nestes primeiros meses do ano sinalizam que, daqui para a frente, o que era considerado “atípico” deverá ser tornar o novo normal. Considerada a maior chuva em 22 anos, o temporal causou dez mortes no Rio de Janeiro. No Piauí, mais de 10 000 famílias foram atingidas — cerca de 3 000 estão desabrigadas — e dezessete cidades estão em situação de emergência.
É o que explica o especialista em recursos hídricos da ONG The Nature Conservancy, Samuel Barrêto. “Primeiro temos que mudar uma questão conceitual. Essa chuva tão intensa não é mais atípica. Apenas neste ano, já vimos vários casos semelhantes no acúmulo de volume de água. O conceito é a primeira noção que precisamos mudar”, afirmou.
Além das mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global, toda a infraestrutura disponível (sirenes, sistemas de drenagem, equipes de resgate, etc.) para lidar com desastres naturais, especificamente no Rio de Janeiro, não funcionou. Atualmente, trabalha-se com a ideia de adaptação às alterações do clima, e não mais com a possibilidade de evitar que as transformações ocorram. Ou seja, já que elas estão por aí, cabe ao poder público tomar ações para proteger a população.
“As mortes poderiam ter sido evitadas. Se não há investimento em ciência e coleta de dados, não será possível melhorar. Vamos cair em um ciclo vicioso”, afirmou Barrêto. Segundo o especialista, o governo precisa impedir a ocupação dos territórios em risco de desabamento, criar uma política pública de habitação e prevenção de riscos, com investimento em soluções de drenagem, manutenção de bueiros e coleta e disponibilização de informações para a sociedade. “Nos Estados Unidos, por exemplo, os cidadãos recebem alertas para cada evento climático extremo, seja um tufão ou temperaturas muito baixas”, afirmou.
Barrêto destacou que as medidas de natureza também são importantes. Parques lineares, principalmente em áreas que têm sofrido com o processo de urbanização, com a impermeabilização do solo, podem contribuir com a absorção da água.
“Vimos situações dramáticas no Rio de Janeiro, no Piauí e em São Paulo. O governo é responsável e precisa criar políticas públicas para minimizar os impactos e os efeitos, em níveis federal, estadual e municipal. Essas anomalias são crescentes no Brasil e no mundo. Temos que nos preparar”, afirmou.
Junto ao poder público, a população também tem como colaborar. Jogar lixo na rua, por exemplo, é uma das ações que Barrêto descreveu como prejudiciais para o sistema inteiro. Os resíduos sólidos entopem bueiros e impedem que a água escorra pelo caminho por onde deveria percorrer.
“Estamos no caminho inverso ao da adaptação às mudanças climáticas, não dando importância a elas e reduzindo os investimentos nessa área. Mais mortes vão acontecer, além dos prejuízos sociais e econômicos. Dos econômicos a gente corre atrás, mas quando se perde a vida, não há mais o que fazer”, declarou.