“Estive hoje no Complexo do Alemão, ouvindo moradores, comerciantes e um lado sempre ignorado por quem diz defender os direitos humanos: o do policial. Prepare-se para ouvir a impactante realidade, na ótica de quem está dando a vida pela nossa segurança.”
A apresentação em vídeo é do deputado estadual Flávio Bolsonaro, que, junto com seu irmão, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, visitou na sexta-feira as chamadas Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) no Complexo do Alemão.
Eles publicaram no Youtube os relatos “estarrecedores” de policiais militares – que, obviamente, preferiram não se identificar – sobre a farsa da “pacificação”, a guerra contra os criminosos, o uso de menores pelo tráfico, a relação com os moradores, o descaso com a morte de PMs e outras coisas sobre as quais você também já leu por aqui.
Separei a conversa em trechos e transcrevi cada um deles.
Assista abaixo a tudo que a turma dos “direitos dos manos” ignora.
PS: Alguns vídeos saíram acinzentados, e eu os corrigirei assim que puder, mas o que importa mesmo é o áudio.
1) A farsa da pacificação
– Pacificar o Rio sem dar tiro, sem prender ninguém, sem apreender armas, sem prender meliantes? Não existe pacificação. Isso é pra inglês ver, né. Você anuncia que vai entrar no morro um mês antes. Retiram as armas e os meliantes do morro. Aí você ‘pacifica’ o território sem dar um tiro, sem prender ninguém, sem apreender arma nenhuma. Vagabundo só migra, pô. Isso é evidente, isso é claro.
Quando as tropas do Code saem, eles voltam. Isso é automático. A gente tá aqui hoje, dentro desse terreno aqui. A gente vai ficar um mês fora daqui e, quando a gente voltar pra cá, a gente não consegue chegar a esse ponto aqui não. Já vai começar a tomar tiro lá embaixo, não vai nem conseguir acessar esse ponto aqui. Isso é claro e evidente.
A realidade é que nós vivemos numa guerra e eles não querem admitir isso.
São territórios que, se você não avisar que vai entrar, você não consegue progredir 30 metros em 1 hora. Quando você avisa: ‘Em tal dia, a gente vai ocupar o morro tal, com as tropas militares, chega lá, você ocupa tudo, solta fumacinha branca, azul, oh, ‘pacificou’… Isso não existe.
Sem prender ninguém, sem prender armamento… É mágica, né.
2) Qual vai ser o próximo?
– Deputado, o senhor vem de lá pra cá, o senhor olha na cara dos policiais que trabalham na UPP, você vê o espanto. Fica um olhando para a cara do outro [como quem pergunta]: qual vai ser o próximo [a morrer]? A verdade é essa, pô. Toda semana [algum PM] é baleado, é baleado quase todo dia. Qual vai ser o próximo? Eu vou falar na cara do senhor: qual vai ser o próximo?
3) Formados na bala
– Um garoto morto lá, aí veio um recruto com um olho… “Cara, e agora? O que que vai acontecer?” Falei: “De quê?” “Ele vai ser preso, ele vai ser excluído?” “Cara, tem quanto tempo de polícia?”
“Me formei agora em dezembro”.
PM comenta: “Já jogaram ele aqui dentro. O garoto não sabe nem o que tá acontecendo, pô. Te juro, mané.”
(E repete a história.)
– Aqui o policial é forjado na bala. O garoto que se formou aí, por exemplo. Aprende na prova de fogo já. Se não morrer, ele aprende. Aqui você tem duas vertentes: ou morre, ou fica preso. Ou então fica omisso e deixa rolar, que é o que está acontecendo.
4) Vale a pena correr o risco?
– Aqui tá todo mundo orientado, tenta entrar na casa de alguém de aqui. Tem aquela que franqueou uma entrada, se não franquear você não pode entrar. Não tem mandado coletivo. Tenta entrar pra ver o que eles fazem. Eles berram: ‘não vai entrar!’, ‘não vai entrar!’… Vai fazer o quê? O cara pode falar: ‘Ó, tem um fuzil dentro da casa ali, ó’. Vai lá pegar. Bate no portão. Ou então você mete o pé na porta. Aí você vai se complicar. Se realmente achar, tudo bem, mas se não tiver…
– Fodeu.
– …tá agarrado, pô. Vale a pena correr o risco? Não vale. Pra mim, não vale.
5) Direitos humanos?
– Direitos humanos são só para outras pessoas. No momento em que você se torna policial, você não tem mais direito de nada. Você só tem o direito de morrer, de ser enterrado e de ser esquecido. Você morre, é enterrado e é esquecido. Você só é número.
6) Menores do tráfico
Tem muito menor aqui?
– Muito!
– Muito!
– Muito!
– 99% do tráfico aqui hoje é menor.
Qual é a idade deles?
– Varia de 10, 11, 12… De dez em diante. [Há também] mulheres. Até pessoas idosas, que a gente acha que não tem lógica a pessoa estar participando, mas ela tá participando. Não na venda diretamente, mas na informação. A gente escuta isso, vê colaboradores que falam pra gente: ó, a pessoa assim, assado, tem tantos anos, mas não se engane, ela está envolvida, ou porque já teve parente [no tráfico], ou porque, não sei, ela gosta dessa situação, porque foi criada assim. Tem mil motivos, mas tem a participação.
– Hoje, a política dos traficantes, eles usam muitos menores porque eles não cumprem o que têm que cumprir. Eles cumprem medida socioeducativa QUANDO cometem um crime MUITO…
– …que ganha muita repercussão aí.
– Isso aí. Mas a maioria às vezes sai na porta da delegacia primeiro que a gente que ainda tá fazendo a ocorrência quando os pais vão buscar.
– Muitas vezes.
7) O possível fim do “Auto de Resistência”
Se a Polícia Militar não tiver um resguardo da Justiça, e nesse ponto, se isso ocorrer, vai estar enfraquecendo o nosso respaldo, o policial vai ficar cada vez mais acuado. Vai chegar ao ponto de que, daqui a pouco, ele não vai poder nem andar armado na rua. E se o policial não estiver armado, quem vai estar armado? Só o tráfico. Então o tráfico vai tomar conta de tudo.
– Vira guerra de trincheira, né.
– Então, com certeza, se isso ocorrer, quem perde não é só a Polícia Militar não, é a sociedade. E muito! E muito!
8) As armas dos traficantes no Rio para enfrentar os policiais
– Agora eles estão com mania de rajada.
– Tá voltando a moda do AK, né. Eles estão com muito AK.
– Muito!
– …quando um cara botar num bico daquele de 100 tiros de AK, quem vai passar?
– Ninguém.
– Não passa ninguém.
– Segura legal.
– Não entra.
– Não passa.
– Quando inauguraram a UPP do São Carlos, o secretário falou que iam tirar as armas letais dos policiais e as pessoas iam trabalhar só de taser. (Risos) Só de taser!
– Utópico.
– Se eu não me engano, se eu não estiver errado aí, foram mais de 7 policiais mortos naquela UPP lá.
9) Policial é obrigado a trabalhar na folga para suprir falta de efetivo
– O problema é que o governo não consegue cumprir o mínimo que seja que foi combinado no início desse projeto, que seria a escala dos policiais, que era 24h [de trabalho] por [a cada] 72h e 12h por 48h. Sabe quanto o polícia tá trabalhando aqui, [policial] que mora em Magé, no pé da serra de Petrópolis? 12 por 24. Ele tá hoje de dia, vai embora, até chegar em casa, 10 horas da noite, pra 3 horas da manhã voltar de novo, entendeu?
– Não tem como dar certo.
– Pô, como é que o cara trabalha desse jeito? Gastando um absurdo de passagem, combustível… O preço que tá o combustível aí.
– E se dormir…
– Vai morrer, pô. É o que tá acontecendo. Vai morrer, pô.
10) O descaso com a morte dos policiais
– Morreu o capitão, comandante dessa UPP.
– Tá morrendo mais policial que morador.
– O Du Menor, deram 30 dias. E estão cobrando como se fosse… Mas o polícia morre e ninguém tá nem aí. Agora morre qualquer outra pessoa… Claro que a gente se preocupa porque são vidas, mas o policial também é um ser humano.
– São vidas: é a vida do policial, a vida do cidadão… Que peso é esse? O policial vale menos que um cidadão comum? A verdade é que a inversão de valores está muito grande.
11) O contêiner da UPP
– Ah, de dia, você ainda consegue rodar alguns pontos, à noite você não sai nem da base. O vagabundo fala no radinho: ‘ó, não sai não, se não vocês vão morrer, quer ver?’ Aí dão tiro na direção do contêiner, essa pouca-vergonha que o estado alugou, não tem proteção nenhuma.
– O projeto é bom, só que não tem material, não tem policial, não tem apoio, então fica difícil trabalhar.
12) Tudo é a polícia
– A verdade é que todo mundo chama a polícia. Se tiver pegando fogo, liga pro 190.
– Tudo é a polícia.
– Se alguém passa mal, em primeiro lugar é: ‘me leva na base da polícia’.
– Se alguém for parir aqui, ‘chama a polícia’. Tudo é a polícia.
– O termômetro da sociedade somos nós e nós não somos recohecidos.
13) Relação com moradores
– A mulher tá vindo lá de baixo, tá vendo que tá dando ré na viatura. Dando ré. Ela vem na direção da viatura. Linha reta. Aí o polícia teve que dar uma freada, ela olhou pra cara do polícia [e disse]: “Depois morre, não sabe por quê.” Assim, pô. Ó o ‘bom dia’ dela: “Depois vocês morrem e não sabem por quê.” Eu falei: que isso, cara!
– Um morador de bem avisou: ‘ó, meu filho, não vai, porque estão esperando vocês aparecerem ali pra encostar vocês’.
– Fomos pegos de surpresa ali no escampado. Eu ia sair de frente, porque dava um sabino ali. Aí a moradora dentro de casa, ela se escondeu, e a casa dela era no alto, visualizava a entrada do lado, ela [disse]: ‘meu filho, não vai, eles estão ali só esperando vocês passarem’. Ou seja: a gente já tava pra ir. Com essa informação, saímos pro outro local seguro e tranquilo. Mas é isso que nos dá força pra estar trabalhando aí.
– Conseguiu evitar um mal maior.
– Estar enfrentando isso aí, que é difícil.
Então a população está sendo parceira de vocês?
– É como o senhor disse: a maioria das pessoas só quer ouvir um lado. Nunca o nosso lado, entendeu? E é complicado, é um trabalho muito complicado.
– Tem o cidadão de bem, que é uma parcela grande, mas tem gente do tráfico em outras famílias, que só dela [cidadã de bem] saber que aquela pessoa, a vizinha, é do tráfico, ela já vai pensar duas vezes em cumprimentar o policial, porque ela sabe que ‘e depois?’, o policial vai sair dali de perto, pode vir o traficante e vai chegar e vai oprimir essa pessoa, infelizmente. Mas a gente taí trabalhando para tentar mudar isso, cada dia mais. Hoje, com a UPP, pelo menos as crianças menores de 2, 4 anos, já começam a enxergar a polícia militar de uma forma diferente, devido ao projeto da UPP.
Acontece de uma criança estar brincando com vocês aqui e o parente chamar pra dentro?
– Isso.
– Na hora.
– Às vezes o pai chega e dá esporro na frente da gente: ‘ó, não brinca não, é policial’. A gente acaba indagando o familiar, o pai, o avô, ‘mas por quê? A gente tá aqui pra proteger, e não para oprimir, diferente do tráfico’. O Estado está aqui justamente para dar oportunidade.
Felipe Moura Brasil ⎯ https://www.veja.com/felipemourabrasil
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